O presidente Zelensky apresentou publicamente, com grande pompa e circunstância, primeiro no parlamento ucraniano (16 de outubro) e, posteriormente, aos dirigentes europeus (17 de outubro) um documento que apelidou de Plano da Vitória (daqui em diante, Plano), cuja implementação permitirá, segundo ele, terminar a guerra na Ucrânia, no máximo em 2025.

O documento é composto por 5 pontos e 3 adendas secretas. O primeiro ponto de natureza geopolítica; o segundo e o terceiro de âmbito militar; o quarto do foro económico; e o quinto dedicado a aspetos de segurança. Os quatro primeiros pontos são para serem implementados durante a guerra, e o quinto após o seu términus, de relevância difícil de descortinar num documento com esta finalidade.

Para além de declarações vagas e ambíguas, não é claro qual o ‘end state’ de Kiev: recuperar os territórios ocupados pela Federação da Rússia, ou fazer cedências territoriais? E com que configurações? Afinal o que significa vitória para Kiev? Esta indefinição inviabiliza, à partida, uma discussão sobre o alcance do “Plano”.

Com estas e outras apresentações, Zelensky procurou ganhar adeptos para a sua causa. A tentativa de avançar agora com um “Plano” para ganhar a guerra levanta-nos dúvidas sobre qual é o atual plano de ação ucraniano, e sobre o que vier a ser adotado caso este agora proposto não venha a ser implementado, dada a sua dependência de fatores exógenos, que fogem à decisão e ao controlo de Kiev. São mais as perguntas do que as respostas.

Na prática, o “Plano” de Zelensky não é um plano, mas sim uma lista de desejos já conhecidos que não tiveram do antecedente recetividade, mas que se espera poder concretizar recorrendo à insistência. Das muitas medidas, algumas sem sentido – assinar acordos para a extração de minérios com a UE e os EUA; utilizar soldados ucranianos para substituir os norte-americanos na defesa da Aliança – salientam-se, à cabeça, a adesão da Ucrânia à NATO e a utilização do armamento ocidental para atacar a profundidade estratégica da Federação da Rússia. Por outras palavras, levar a guerra para território da Rússia e fazer sentir à população russa a dor causada pela guerra, na esperança de conseguir com isso provocar uma revolta e a deposição de Putin.

A recetividade ao “Plano” pelos Aliados de Kiev não foi efusiva, nem a resposta foi consensual. No que respeita à adesão à NATO, os EUA, pela voz da sua embaixadora no Conselho do Atlântico Norte, deixaram claro que “não estamos [a NATO] numa fase em que a Aliança esteja a falar em convidar [a Ucrânia] no curto prazo”. A possibilidade da admissão rápida na Aliança foi descartada. Pelos motivos aduzidos em várias circunstâncias, esta possibilidade não é exequível. Para além da ausência de consenso no seio da NATO, os EUA não estão, nesta altura, para aí virados.

A Casa Branca afirmou não haver consenso entre os Aliados sobre o convite à Ucrânia e sobre o “plano” de Zelensky. Tanto o primeiro-ministro polaco como o chanceler alemão Olaf Scholz vieram manifestar o seu desacordo com alguns pontos-chave do “Plano” devido ao receio de uma nova escalada da guerra. Por seu lado, Budapeste apelou à NATO para que limite a sua intervenção aos “meios diplomáticos”. Não é o momento adequado para falar no assunto.

Sobre a atribuição de armas de longo alcance, o secretário da Defesa Lloyd Austin esclareceu que “a Ucrânia deve confiar nos seus drones de longo alcance em vez dos mísseis ocidentais.” De acordo com Lloyd Austin, o custo de um míssil guiado, em alguns casos, aproxima-se de 1 milhão de dólares, sugerindo que Kiev produzisse grandes quantidades de drones por serem menos onerosos. Contrariando as expetativas, Zelensky não mencionou no Parlamento ucraniano cedências territoriais para terminar a guerra, mesmo que provisórias. O seu discurso foi de intransigência, como se tivesse o mundo a seus pés.

A França veio juntar-se à Holanda e à Dinamarca na lista dos países que autorizam a Ucrânia a empregar armamento por eles fornecido para atingir a profundidade estratégica da Rússia. Paris foi mais longe e voluntariou-se para apoiar o “plano de vitória” e ganhar o apoio de outros países para a proposta ucraniana.

Ao final de dois anos e meio de guerra, a fórmula do “deem-nos mais armas que nós resolvemos a guerra” está esgotada. Não funcionou no passado, muito menos funcionará no presente com a Federação da Rússia muito mais capaz militarmente. A insistência numa solução perdedora, reveladora da ausência de soluções, não parece ser a receita para a vitória, seja o que isso for. Zelensky insiste de forma míope numa fórmula requentada convicto de que poderá derrotar as forças russas se receber mais apoio do Ocidente, como se o Ocidente fosse um poço sem fundo de recursos, esquecendo-se que do outro lado estão forças armadas capazes de lhe causar danos.

Não há soluções novas no “Plano” de Zelensky. Mediante a constatação, não assumida, que começa a grassar na sociedade ucraniana, da incapacidade de vencer militarmente a Rússia apenas com a ajuda externa, Kiev continua a procurar novos pretextos para envolver a NATO e/ou potências amigas na contenda, uma vez que os métodos utilizados até agora não produziram efeito. Apesar das forças russas já terem destruído armamento militar equivalente ao utilizado por dois exércitos, o grande problema ucraniano não reside na escassez de armamento.

A sua grande vulnerabilidade está na carência de recursos humanos, agravada pelo cada vez maior número de deserções e fugas ao serviço militar. “O Gabinete do Procurador-Geral ucraniano afirmou, em outubro, que se registaram cerca de 100 mil casos de deserção. Mais de metade este ano (2024), o que equivale a cerca de 10% de todo o pessoal das forças armadas.”

A ideia de incluir território russo como moeda de troca em futuras negociações parece gorada. A operação militar em Kursk está a revelar-se um revés com consequências políticas desastrosas. O desvio das melhores unidades, munições e armamento do Donbass para Kursk está a ter consequências muito nefastas para as hostes ucranianas, previsíveis para um observador atento.

A situação piora diariamente para Kiev. Isso tem sido notado pela comunicação social norte-americana e europeia, que já não o esconde. Referimo-nos ao moral das tropas, às operações de rapto de cidadãos na via pública disfarçadas de recrutamento para engrossar compulsivamente as fileiras, e à situação militar no terreno.

Reagindo ao cancelamento por Biden da reunião em Ramstein, onde Zelensky iria apresentar o seu “Plano”, não reagendada, e à ausência de convite para participar na reunião de Biden em Berlim com Scholz, Macron e Starmer, o ex-assessor do presidente ucraniano Leonid Kuchma, Oleg Soskin comentava: “Zelensky jogou a sua cartada em todos os palcos. O facto de Biden se ter recusado a reunir com ele… é um facto colossalmente sério. Assim, Zelensky já se tornou um absoluto perdedor em quem ninguém confia. Zelensky compreende que há pesos nas pernas e já tem dificuldade em andar.”

Em desespero, e na tentativa de envolver os seus patronos na guerra, Zelensky recorreu a duas novas linhas argumentativas: (1) soldados fantasmas norte-coreanos vão ajudar a Rússia a combater as tropas ucranianas em Kursk, o que justificará uma reciprocidade direta por parte dos seus patrocinadores e da NATO; (2) chantagem; ou adere à NATO, ou obtém armas nucleares. Perante o franzir de sobrancelhas nas chancelarias ocidentais, Zelensky corrigiu posteriormente o que disse.

Os dirigentes ucranianos parecem viver numa realidade paralela, desfasados do mundo: os aliados têm de colocar à sua disposição tudo o que lhes é pedido/exigido, mesmo com as dificuldades que enfrentam. Zelensky não vai conseguir ir para a mesa de negociações numa situação de força, ou mesmo de paridade. A sua posição negocial deteriora-se cada dia que passa, desde abril de 2022. Não têm a noção da correlação de forças. Apesar de se encontrar na mó de baixo, acha que vai ser ele a determinar os termos da solução.

Com a rejeição e consequente não implementação do seu “Plano de vitória”, Zelensky vai tentar transferir a responsabilidade pelos seus fracassos para a “incompetência” e traição dos seus patrocinadores. A responsabilidade pela derrota deve ser partilhada com o Ocidente. O alardear de propostas que sabe de antemão não serem exequíveis vai-lhe permitir sacudir a responsabilidade do capote, pelo menos alguma. Nas entrelinhas, começa a ser demasiado óbvio que Zelensly e o seu inner circle já não acreditam na vitória e vão ter de fazer cedências territoriais, apesar de não o admitirem publicamente.

O “Plano” serve, pelo menos, para isentar Zelensky e os seus acólitos de responsabilidade, preparando o terreno para o inevitável. Até lá, têm de teatralizar e transmitir uma força e um espírito indomáveis. Mas tiveram de ceder porque foram atraiçoados, apunhalados pelas costas pelo Ocidente. Afinal a culpa não foi deles. Será isto que dirão ao seu povo, no dia em que inevitavelmente lhe tiverem de dar as más notícias, e explicar porque é que os ucranianos andaram a morrer para afinal terem de ceder território, algo que poderia ter sido evitado, pelo menos na dimensão em que está a ocorrer.

Entretanto, os analistas vão imaginando possíveis configurações do que será a Ucrânia no pós conflito: duas Ucrânias, uma que adere à NATO e a outra que fica temporariamente sob domínio russo, solução tipo RFA e RDA; uma zona desmilitarizada ao estilo coreano, na atual linha de contacto, etc.

Mas, não se pode nem se deve excluir a possibilidade de Kiev optar por soluções que não equacionem o compromisso e considerem apenas a soma negativa, em que perdem(os) todos. Embora a Ucrânia não tenha capacidade para construir uma arma nuclear, tem-na, para construir uma bomba suja e lançá-la em território russo. A retaliação russa seria nuclear. Interrogamo-nos qual seria a resposta norte-americana. A Rússia continua a dar sinais de intenções maximalistas, o que significa que a Ucrânia poderá perder muito mais do que os analistas pró-Kiev se permitem imaginar.