Já lá vai o tempo em que nas tertúlias de amigos se discutia política, pura e dura. Líderes, partidos, opções de governo e ideologias eram motivo de discussão e discórdias. Agora, esta política tornou-se desinteressante, provavelmente consumida pelo excesso de consenso acrítico que se gerou em torno dos regimes vigentes nas economias ocidentais. Portanto, a antiga tertúlia política tem vindo a ser substituída pela discussão acesa em torno de casos judiciais que envolvem líderes políticos relevantes e carismáticos. O caso de Lula é talvez o mais paradigmático.
Sugiro que façam o seguinte exercício: perguntem a alguém vincadamente de esquerda se Lula é culpado ou inocente. A resposta é quase sempre esta: é inocente e está a ser perseguido por motivos políticos pela direita reacionária do Brasil que quer apagar o legado extraordinário deste político metalúrgico na luta contra a pobreza e as desigualdades. Façam o mesmo exercício à direita e a resposta é a oposta: é culpado e quem não tem a mesma opinião é, obviamente, um “petista” defensor da corrupção que mina os estados.
O problema que se coloca é que quando falamos de Justiça, o campo de análise não devia ser nem de opinião e muito menos de política. Salvo raras exceções, nenhum destes indivíduos conhece, com um mínimo de rigor, os factos, as provas ou o Direito. Ou seja, aquilo em que se deve basear qualquer julgamento. Mas já tem o seu juízo final feito quanto à propriedade do famoso triplex.
A História está cheia de episódios escabrosos e terríveis de Justiça popular, deixada às mãos do povo ou feita a pensar na satisfação das massas. Quando se queimavam pessoas (literalmente) na praça pública havia rejúbilo popular. Isso dá que pensar sobre as nossas características humanas.
Foi o nascimento do Estado de Direito que veio tirar os julgamentos da praça pública, desligá-lo das emoções e das correntes ideológicas. E para que esse desígnio pudesse ser alcançado, criaram-se regras e procedimentos cujo cumprimento estrito é essencial para proteger e preservar a Justiça da (má) natureza humana. Entre outras coisas, a ideia foi promover a serenidade no tratamento dos casos para que, realmente, sejam os factos, as provas e o Direito que prevaleçam, pois são um fator de segurança irrenunciável numa sociedade democrática.
Sucede que, por exemplo, no Brasil (de uma forma assumida) e em Portugal (de uma forma mais ou menos dissimulada e cínica), alguns “atores” do sistema de Justiça quiseram e – têm conseguido diga-se – tratar a Justiça como se fosse política. Perceberam que a melhor forma de ultrapassar as suas fragilidades probatórias e jurídicas seria incentivar o escândalo, a discussão pública dos casos, através de estratégias comunicacionais agressivas e concertadas, no sentido de esmagar previamente os seus visados. Isto não acontece por acaso ou pela extrema competência dos nossos jornalistas de investigação. Isto acontece porque é uma opção estratégica de quem prefere o justicialismo à Justiça. Sempre escudados pelo ímpeto de um “homem novo” e de um mundo melhor, claro. O mesmo desígnio que encontramos em todos os piores regimes da História.
Enganam-se aqueles que consideram que a cultura “pop” (com protagonistas odiados e amados como se fossem popstars) instalada na Justiça é um progresso. A História demonstrou sempre o contrário e é da História que devemos sempre tirar lições para o futuro.