Desde há muito que retenho na memória uma frase que me diz muito: “os mais pobres são obrigados a poupar e os mais abastados adoram poupar”. As motivações são bem diferentes. Os primeiros, porque têm um difícil exercício de fazer escolhas que lhes permitam frugalmente gerir o pouco rendimento de que dispõem. E os financeiramente mais aliviados motivam-se por escolhas, por razões que se prendem com a utilidade que dão às coisas, ou seja, pelo leque de possibilidades de afetação do seu rendimento.

Outubro é o mês da poupança. O que culmina, no dia 31, com o Dia Mundial da Poupança. Os dados mais recentes da taxa de poupança em Portugal apresentam uma progressão aparentemente animadora.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o segundo trimestre deste ano registou a maior taxa de poupança dos últimos sete anos, ou seja, 10,6% do rendimento disponível. Por definição, a poupança é a parte do rendimento que não é consumida. Está visto que o mérito do resultado alcançado não é da súbita alteração do comportamento das famílias, mas sim fruto das circunstâncias. O confinamento reduziu as possibilidades de consumo, por um lado, e por outro, as incertezas sobre o futuro fizeram adiar decisões de dispêndio do dinheiro.

Daqui resultam três reflexões distintas.

A primeira é que poupar reflete uma atitude quase mecânica de procura de segurança para o futuro. Ou seja, em período de crise, um outlook negativo abate-se sobre o comportamento das famílias pelo que mais vale adiar os gastos, que são passíveis de adiamento, porque não sabemos o que virá a seguir. Mas pode ser ilusório.

Um possível resultado extremo desta atitude, muito estudado na ciência económica (J.M.Keynes), é conhecido por Paradoxo da Poupança. No final da década de 20 do século passado, uma recessão tornou-se numa Grande Depressão pela generalização do adiamento do consumo devido às naturais incertezas criadas sobre o futuro. Basicamente, se todos os que possuem rendimentos decidirem poupar, a procura diminui, as empresas não vendem, o dinheiro não circula, o desemprego aumenta e o resultado da poupança coletiva transforma-se em algo negativo.

A segunda é que o equilíbrio macroeconómico de Poupança = Investimento nem sempre é virtuoso. Depende de que tipo de investimento e, sobretudo, da produtividade do mesmo. Um país, por mais que poupe, se não aplicar as suas poupanças em investimento produtivo, não será capaz de extrair utilidade à poupança que foi acumulando, de forma sustentável e por respeito pelas gerações vindouras.

A terceira é que a poupança dos mais desfavorecidos resulta de maior esforço. O ordenado mínimo nacional é de 635 euros por mês. Cerca de um quinto dos portugueses recebe esse rendimento para se governar e, mesmo assim, há concidadãos que não bebem um café para poupar um euro, amealhando, colocando “no monte” (termo ancestral utilizado referente a poupança, tipicamente de famílias numerosas, em que cada elemento mutualizava o seu rendimento para os gastos e para fazer face a contingências diversas).

Cada euro dessa poupança tem um significado maior. Pelo esforço que representa, e pela virtude da previdência. Um dia, será enorme a utilidade do euro poupado na ausência de cada bica. A responsabilidade de quem gere as poupanças acumuladas pelas famílias deve estar sempre presente, mas é, sobretudo aqui, que entra a ética, a seriedade e a prudência com que se gere o dinheiro dos outros.