Agora, que se aproxima o momento de aplicação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), fui ler com mais detalhe o documento que descreve as opções de investimento do apoio de 14 mil milhões de euros conferido a Portugal pela União Europeia através do Quadro Financeiro Plurianual e Next Generation EU.
Recomendo vivamente a leitura, para que todos tenham um nível adequado de informação sobre as opções que estão a ser tomadas para um investimento de 14 mil milhões em cinco anos. Talvez sugestionado pelas experiências passadas em matéria de aplicação de apoios comunitários, o PRR suscita-me dúvidas quanto à eficácia de geração de efeitos multiplicadores macroeconómicos com impacto nas maiores prioridades do momento: capitalização do tecido empresarial português (nomeadamente Pequenas e Médias Empresas industriais, prestadoras de serviços nas áreas do Turismo, Alojamento e Restauração, e Agropecuária), robustecimento das cadeias de valor, fomentadoras de exportação, substituição de importações em setores de capacidade competitiva nacional.
Os rácios de autonomia financeira das PME, que vinham recuperando de anos anteriores, sofreram um abalo nos últimos meses, situando-se muito abaixo da média comunitária. Ora, esta situação dificilmente permitirá às PME (o grande empregador nacional) aproveitar a abertura da economia pós-pandemia para uma efetiva recuperação.
É certo que PME mais robustas permitem maior capacidade competitiva no exterior e maior geração de empregos. Iniciativa privada mais capacitada gera pessoas realizadas, com trabalho, com rendimento e, portanto, com maior capacidade para acorrerem às suas necessidades sociais, das suas famílias, dos seus amigos. Deste modo, em valor absoluto, mais impostos sobre o rendimento (IRS e IRC) e maior transacionalidade (IVA). Portanto, mais receita pública para acorrer sustentadamente às necessidades dos serviços públicos do Estado.
Ao fazer as contas do PRR, se considerar as rubricas “vulnerabilidades sociais” (SNS, habitação social, respostas sociais), “coesão territorial”, “transição climática” (na maior fatia, as linhas de metro de Lisboa e Porto e o metro de superfície Odivelas-Loures) e “transição digital” (só nas escolas e administração pública são mais de dois mil milhões), como de Investimento Público, a soma é de aproximadamente 8,5 mil milhões de euros. Ou seja, no mínimo, mais de 60% das verbas do PRR são para Investimento Público. Isto, partindo do princípio que a “descarbonização da indústria”, “bioeconomia” e “eficiência energética” são rubricas de iniciativa maioritariamente privada, o que não é certo.
Poder-se-á defender que muito do investimento público estará, indiretamente, a beneficiar as empresas portuguesas. Tenho algumas dúvidas uma vez que, pelo tipo de investimento, se prevê o lançamento de concursos públicos internacionais. Ou seja, uma parte corre o risco de sair da esfera das empresas portuguesas. Ou por ausência de especialização, ou por incapacidade competitiva, pelas débeis condições em que operam.
Temo que Portugal não saia deste PRR à frente de outros países europeus que, por certo, aplicarão estas verbas eficientemente no robustecimento direto de empresas e de emprego. Oxalá esteja equivocado.
A primeira responsabilidade social do Estado é traçar caminhos que proporcionem a iniciativa das pessoas para a geração de valor. Se isso acontecesse, seríamos um país mais justo, socialmente mais resiliente, por ser mais próspero e desenvolvido. O somatório da resiliência de cada um seria a resiliência pública que o país tanto ambiciona.