A urgência de combater a violência contra as mulheres
A recente onda de denúncias de violações em Lisboa, incluindo casos em hostels e envolvendo motoristas de TVDE, evidencia uma realidade alarmante: a persistência da violência sexual contra as mulheres na nossa sociedade. De janeiro a setembro de 2024, foram reportados 344 casos de violação em Portugal, um número que, embora elevado, provavelmente subestima a verdadeira dimensão do problema, devido à subnotificação e ao estigma associado.
A normalização deste crime está enraizada em fatores culturais e sociais que perpetuam a desigualdade de género. Muitas vezes, as vítimas são responsabilizadas pela agressão, com perguntas insinuando culpa, como “O que estavas a vestir?” ou “Porque estavas sozinha a essa hora?”. Esta culpabilização não só desvia a atenção do agressor, como também desencoraja outras vítimas de denunciarem, perpetuando um ciclo de silêncio e impunidade.
As vítimas enfrentam ainda barreiras institucionais ao procurarem justiça. Processos legais morosos, questionamentos invasivos e a falta de sensibilidade por parte de alguns profissionais podem retraumatizar as vítimas e dissuadi-las de prosseguir com acusações. Esta revitimização institucional contribui para a perpetuação da ideia de que denunciar não vale a pena, alimentando a impunidade dos agressores.
“Está na hora de mudar a sociedade que banaliza a violação”, diz Gisèle Pelicot. Não podemos continuar numa sociedade em que a agressão de uma pessoa é uma tragédia, mas a de muitas é uma estatística. Temos que rescrever a narrativa sobre violação e o papel do agressor e o da vítima.
O exemplo marcante do caso de Gisèle Pelicot, uma mulher francesa que, durante quase uma década, foi drogada e violada pelo próprio marido, Dominique Pelicot, que também permitiu que outros homens a agredissem sexualmente sem o seu conhecimento. Gisèle demonstrou uma coragem notável ao enfrentar os seus agressores em tribunal, recusando o anonimato e insistindo num julgamento público para expor a gravidade dos crimes cometidos contra ela. A sua postura destemida sublinha que a vergonha deve recair sobre os violadores, não sobre as vítimas.
Assim, para combater este flagelo, é imperativo implementar políticas públicas que promovam a igualdade de género e a educação sexual desde cedo, desmistificando mitos e desconstruindo estereótipos nocivos. Campanhas de sensibilização devem enfatizar o consentimento e o respeito mútuo, enquanto os media têm a responsabilidade de retratar as mulheres de forma digna e igualitária.
As instituições judiciais e policiais necessitam de formação especializada para lidar com casos de violência sexual, garantindo um atendimento humanizado e eficaz às vítimas. A criação de estruturas de apoio psicológico e legal é essencial para auxiliar as sobreviventes no processo de recuperação e busca por justiça.
A sociedade como um todo deve refletir sobre as atitudes e comportamentos que perpetuam a violência contra as mulheres. É necessário um compromisso coletivo para desmantelar as bases culturais que normalizam a violação e para construir uma comunidade onde todas as pessoas, independentemente do género, possam viver sem medo de violência ou discriminação.
A mudança começa com a educação e a consciencialização, mas requer também ação concreta e contínua de todos os setores da sociedade. Somente através de um esforço conjunto poderemos erradicar a violência sexual e garantir um futuro mais seguro e igualitário para as mulheres em Lisboa e em todo o país.