BIA – a assistente virtual do Bradesco – é um acrónimo de Bradesco Inteligência Artificial. Este, que é o segundo maior banco privado brasileiro, tem cerca de 95.000 clientes no universo de todos os seus serviços financeiros, dos quais 71.200 são clientes da banca. Tem 8.720 agências espalhadas pelo Brasil, um território que tem tanto de extenso como de diversificado. Para 2021, o lucro deverá cifrar-se nos 1,1 mil milhões de euros.

O projeto BIA começou em 2016 no seio do polo de startups com quem o banco tem uma estreita colaboração. Um desses projetos, ligado à IBM, trabalhava com a tecnologia que deu origem ao Watson. Na altura a ideia era desenvolver um assistente aos gerentes das diversas agências que, dada a miríade de produtos financeiros existentes, se via frequentemente na necessidade de esclarecer dúvidas junto da sede.

A aplicação funcionou desta forma durante pelo menos um ano, sempre com a preocupação de responder da melhor forma possível às questões colocadas e aferindo-se a todo o momento a resposta fornecida pelo algoritmo, e comparando-a com a que seria fornecida por um operador humano.

Quando a acurácia da aplicação subiu aos 87%, a direção do banco decidiu abrir o chatbot ao público em geral. Isso aconteceu em 2017, num processo considerado muito bem-sucedido, sobretudo dada a associação da inteligência artificial ao WhatsApp que está presente em cerca de 98% dos telemóveis brasileiros. A BIA foi também associada ao Apple Business Chat, à Alexa e ao Google Assistant, sendo, à presente data, responsável por mais de mil milhões de interações acumuladas.

No final de 2019, após mais de um ano de experiência da BIA com os clientes e potenciais clientes do banco, a administração fez um balanço da atividade, tendo verificado que, entre as interações de caráter informativo e transacional, existiam também imensas interações insidiosas e ofensivas, correspondendo a assédio (feminino) à BIA.

A natureza de algumas interações era demasiado agressiva, ofensiva e violenta, até. Estes comportamentos de assédio ao chatbot pareciam replicar um padrão de comportamento agressivo usado também junto de colaboradores do banco, quer pela via telefónica, quer mesmo no formato presencial. As ofensas aconteciam sempre que a BIA se mostrava incapaz de resolver um problema ou responder a uma questão mais complicada colocada, quer noutra situação qualquer.

Assim, em abril de 2021, o Bradesco decidiu que a BIA deixaria de ter a posição submissa que sempre havia adotado, para passar a ter uma postura mais firme. Em vez de responder com um “Desculpe, não entendi. Poderia repetir?”, a BIA passou a reagir informando o seu interlocutor que os seus comentários não eram admissíveis e que não os toleraria, não devendo ser proferidos em relação a si, nem em relação a ninguém.

A BIA foi também programada para explicar que as ofensas que estava a receber constituíam uma forma de assédio. A busca pelo termo “assédio”, no Google, subiu, neste seguimento, exponencialmente, mostrando assim que a BIA estava igualmente a cumprir uma função educativa, levando à consciencialização do abuso.

Porém, contrariamente ao que seria de esperar, nas duas semanas seguintes à campanha, o número destas interações passou de 100.000 por semana, para um milhão de ofensas! A equipa responsável pela BIA acredita que o efeito de curiosidade e teste à reação da BIA foi responsável por este aumento, que se dissipou, entretanto. A BIA pode assim congratular-se por ter ajudado a perceber o que é assédio, nomeadamente junto da população feminina. A BIA conseguiu com firmeza estimular o modo como muitas mulheres brasileiras podem combater o assédio, num contexto – segundo a equipa da BIA – “com um elevado abismo social, e muito marcado por abusos verbais que tendem facilmente a ser tolerados”.

A atitude da BIA tem contribuído para o empoderamento da mulher brasileira, sendo que os procedimentos encetados obrigaram à revisão dos normativos de todo o grupo, em relação a todas as suas colaboradoras, normalmente mais assediadas, e – neste seguimento – constituíram uma bitola a seguir por outros negócios, e pela sociedade como um todo.