Tenho uma enorme dificuldade em perceber e aceitar que temas, assuntos ou problemas se prolonguem no tempo. Qualquer que seja, uma vez identificado, a sua resolução atempada satisfaz a necessidade e liberta tempo e recursos para novos temas.
Um dos problemas que está pendente de resolução há dez anos – sim, dez anos – é a construção da nova ala pediátrica do hospital de São João, no Porto. Desde 2008, ano em que os correspondentes serviços a funcionar nas instalações do hospital transitaram para os já famosos contentores, que o início da construção é adiado sucessivamente.
O mais preocupante é que quando tento perceber o porquê desta situação, encontro as mais diversas e contraditórias “histórias”.
Há quem defenda que tudo se resume a uma luta de egos entre o Centro Hospitalar de São João e o Centro Hospitalar do Porto e que, face às obras já realizadas no segundo, não há necessidade de avançar com a ala pediátrica do São João, que representaria um sobredimensionamento para as necessidades da região.
Mas assumido o investimento leio que, “na sequência duma resolução do Conselho de administração do hospital, a solução encontrada foi recorrer a Pedro Arroja, personalidade de reconhecido mérito académico, profissional e social, que se tinha disponibilizado para criar uma associação sem fins lucrativos, de carácter humanitário que tenha como objeto a construção do Hospital Pediátrico Integrado, como explica o documento”.
Recorrer? Será o mesmo Pedro Arroja que diz que “é obra de Deus porque a mãe não sabe fazer pénis”, ou que quer reverter a proibição do trabalho infantil porque “se a criança vai ou não trabalhar, o problema é dos pais”, ou que diz que “a função prioritária da mulher é cuidar dos filhos”, ou “o Portugal de Salazar, a Espanha de Franco ou o Chile de Pinochet foram exemplos de milagres económicos”?
Fico curiosa em saber que personalidades alternativas terão sido equacionadas.
Fico também curiosa em perceber porque é que é preciso criar uma associação para concretizar uma obra num hospital. Criam-se sempre estruturas ou entidades paralelas que só complicam e retiram transparência aos processos. O resultado, esse, é… inexistente!
Para a ala pediátrica do São João, depois do brilharete de uma série de personalidades VIP anunciarem que o projecto seria financiado por investimento privado, em finais de 2013, dos 22 milhões de euros necessários haviam sido angariados apenas 600 mil euros.
Face à degradação das instalações e à vinda a público de toda esta história já no governo de António Costa, foi assumido que o financiamento tem de ser público e imediato. Acho bem. Outra coisa não podia ser dita depois de anos de impasse.
Mas os 22 milhões de euros necessários não foram ainda libertados. Falta de dinheiro não será porque, assim de repente, lembro-me que vamos pagar 11 milhões por ano à Web Summit, gastar (só este ano) 89,2 milhões de euros em viagens e mais 726 milhões de euros com o Novo Banco (estão previstos para 2019 via Fundo de Resolução). Além disso, no Orçamento de Estado para 2019 é pedida autorização para gastar mais 885,8 milhões de euros com Banif e BPN.
Ao mesmo tempo que se discute porque Mário Centeno não liberta os fundos, aparentemente o tal melhor recurso disponível, Pedro Arroja, entende ser o dono da obra querendo, na realidade, fazer passar pela associação a que preside os fundos necessários para a sua realização.
O hospital, por seu lado, entende agora que a cedência dos terrenos foi feita na condição de que a obra se concretizasse com fundos privados, pelo que, não se tendo concretizado, os terrenos podem ser retirados e o hospital é o novo dono de obra. E não saímos disto. Ou seja, aparentemente a associação criada para colaborar na resolução do problema, tornou-se “O” problema para o hospital.
Conclusão: sejam lutas de egos, diferendos jurídicos ou completa inversão de prioridades na gestão do dinheiro público, a realidade é que os contentores têm de desaparecer e os serviços neles existentes têm de transitar para locais próprios, com condições dignas e adequadas às pessoas que a eles têm de recorrer e que neles têm de trabalhar.
O que me parece óbvio é que, se houvesse uma efectiva vontade das partes em colaborar, se estivéssemos perante pessoas intelectualmente honestas e transparentes, com vontade de dar prioridade e urgência à construção da ala pediátrica do São João ou de encontrar alternativas vantajosas, sê-lo-iam. Mas tudo neste país se resume a gestão de interesses pessoais, exercícios de protagonismo, joguinhos de poder e inversão de prioridades.
Mas eu percebo. Quando aqueles que elegemos para a Assembleia da República têm sido, nos últimos tempos, o melhor exemplo em esquemas utilizados para obtenção de vantagens financeiras, que podemos nós exigir de administrações hospitalares, de associações ou qualquer outra pessoa ou entidade?
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.