A imprensa nacional noticiou recentemente que chegaram a Portugal 2.736 toneladas de lixo vindas diretamente do sul de Itália para serem depositadas num aterro em Setúbal, e que estas serão as primeiras de 20 mil toneladas que o país irá receber oriundas da bota da Europa no espaço de um ano.

Diz-se também por aí que a Inspeção-Geral do Ambiente nada sabia sobre a chegada de tamanha quantidade de resíduos não tratados ao país. Talvez devido a alguma incúria ou a um certo desleixo da parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que, por sua vez, também não inspecionou o lixo recém-chegado e se limitou a confiar – com a nossa típica boa-fé – nos resultados das análises enviados pelas entidades italianas.

Lendo as notícias, dissemos em coro: Por Toutatis! Mas porque é que chega assim de repente tanto lixo a Portugal? Bem, pode parecer estranho, mas o lixo “faz Erasmus”. Há intercâmbio de lixo a toda a hora e entre vários países da Europa, aliás. O relatório Estado do Ambiente de 2015, publicado pela própria APA, revelou que recebemos do estrangeiro praticamente 2 milhões de toneladas de lixo não perigoso e 61 mil toneladas de resíduos perigosos só em 2014. Portugal, por sua vez, recambiou para o estrangeiro 976 mil toneladas de resíduos: 83,5% para Espanha e 9,4% para a China.

E eis que reforçamos a questão: mas porquê Portugal? Será por termos uma fantástica política de reconversão e reciclagem de lixo, como existe em países como a Suécia? Pois, lamento desiludir-vos, mas não é por isso. Pelo contrário, o que temos é uma leviana e inacreditável gestão de resíduos no nosso país: é tão barato enterrar ou queimar lixo em Portugal que os operadores não se sentem minimamente estimulados a enveredar pelo caminho da reciclagem. É tão barato, mas tão barato enterrar ou queimar resíduos no nosso país, que Portugal se está a tornar na lixeira da Europa.

Cerca de 70% dos resíduos urbanos produzidos em Portugal vão directamente para aterro ou para incineração. Reciclagem? Muito pouca. E assim parece que queremos continuar, recebendo com o habitual espírito hospitaleiro o tão bem-vindo lixo italiano – que entretanto aterraremos bem aterrado, qual punhalada nas costas – e vendo, lá longe, em modo de despedida, as metas europeias de reciclagem para 2020, fixadas em 50% para Portugal por directiva europeia.

Procurando contrariar estes ventos e marés, o PAN propôs no âmbito do Orçamento do Estado o aumento para o dobro da Taxa de Gestão de Resíduos Urbanos, proposta que prevê um impacto directo na receita da ordem dos 30 milhões de euros e que coloca Portugal na trajectória do cumprimento das tais metas europeias. Esperamos honestamente que a proposta seja acolhida pelo Governo.

Enfrentar os enormes desafios na área do ambiente é proteger as pessoas, os animais e, claro, o planeta. Tão simples quanto isso. Nós, por cá, continuaremos a trabalhar nesse sentido.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.