Pergunto-me se, neste país onde todos nós somos os tais a quem o pão cai sempre com a manteiga virada para o chão, também seremos chamados a pagar as contas do Sporting ou de qualquer outro clube de futebol.

Os números do mundo do futebol sempre me impressionaram. Eu gosto de futebol, mas confesso não encontrar qualquer racional para ordenados de milhões por ano, valores de transferências de dezenas ou até centenas de milhões, receitas de TV de outro tanto, etc. Mas o que é certo é que o povo é do que mais gosta. Só isso pode justificar os números.

Apenas por curiosidade, em ordenado base e por cada uma das 24h do dia, o Ronaldo ganha 2.431 euros, o Pepe 521 euros, o Salvio 347 euros, o Bas Dost 231 euros e o Rui Patrício ganhava 174 euros, o mesmo que Pizzi. Em valores anuais, só estes rapazes recebem 33,5 milhões de euros. Em 2017, os clubes de futebol pagaram 374 milhões de euros em comissões a intermediários – agentes, representantes ou outros – envolvidos em transferências de jogadores, contra os 183 milhões verificados em 2013.

Os clubes portugueses são, aliás, os terceiros da Europa a pagar mais comissões – pódio liderado por Inglaterra, cujo campeonato prima por uma qualidade muito superior e onde, alegadamente, não existem casos obscuros como em Portugal.

Na televisão chego a percorrer seis (ou mais) canais e todos estão a debater os jogos da semana. Mudam as caras mas o tema é o mesmo. Ou seja, mudam as moscas mas…

Chego portanto à conclusão que o meu não entendimento é um problema meu. Mesmo gostando de futebol, não alcanço certamente o que o futebol tem de tão extraordinário para movimentar biliões por ano.

O que se passa no Sporting trouxe-me uma preocupação acrescida. Um clube – ou, mais correctamente, uma empresa – que adia o reembolso dum empréstimo obrigacionista, afectando cerca de 4.000 credores, tem um perdão de dívida pela banca de 94,5 milhões de euros, nove dos jogadores da equipa principal rescindiram o contrato alegando justa causa, o seu Presidente não tem qualquer credibilidade que me permita acreditar na contratação de jogadores num futuro próximo ou na possibilidade de rolar créditos para sustentar o passivo (seja por crédito directo da banca, empréstimos obrigacionistas ou qualquer outro), deve estar muito próximo da insolvência.

Em rodapé num canal televisivo li que o Sporting precisa de 15 milhões de euros até dia 30 Junho para assegurar a gestão de tesouraria. Valor que esperava ter entrado por via de um empréstimo obrigacionista que a CMVM suspendeu, pela turbulência vivida no clube, mas que, na prática, nem precisava porque, obviamente, nenhuma entidade institucional ou particulares no seu perfeito juízo iriam comprar tal empréstimo.

O que me preocupa, perguntará o leitor… a mim, que até sou do Belenenses?

Quando a dívida pública ultrapassa 126% do PIB, quando as greves nos transportes, de médicos ou professores se mantêm ou quando operações Fizz resultam em penas suspensas, o que me preocupa quando nas televisões e jornais os conteúdos vão todos para o Bruno de Carvalho?

O que me preocupa num país onde vigora uma paixão cega pelo futebol e onde há o hábito de todas as alarvidades serem pagas pelo contribuinte é que, um dia destes, alguém me venha dizer que o Sporting, um clube emblemático e tão antigo, conhecido em todo o mundo e rebeubéu pardais ao ninho, não pode acabar… e lá vai o pagode entrar!

É que um dos bancos que “perdoou” a dívida por acaso até é o Novo Banco… sim, esse mesmo que já estamos todos a pagar (e vamos continuar). Nós pagamos e “ele” perdoa dívidas. Isto está tudo bem esgalhado.  Aliás, até já foi “explicado” que este “perdão” de dívida é positivo, porque a totalidade do montante já tinha sido considerada como imparidade e assim há uma parte que será (afinal) recebida – assunção que me parece demasiado prematura.

Detalhe: dar esta animada explicação a quem paga pelas imparidades (recordo um texto anterior meu sobre este tema) é de bradar aos ceús. E a seguir ao Sporting, viria o Porto, que tem capitais próprios negativos (ou seja, está tecnicamente falido) e por aí fora. Seria uma festa, portanto. Mais uma!

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.