O ano de 2023 terminou com uma enorme apoteose turística: foi um ano histórico – mais um – para o turismo em Portugal em termos de receitas e visitantes. Como sempre, só nos contam metade desta história. Convém relembrar que receita e lucro são conceitos financeiros distintos. Escrevendo para um jornal económico, insisto, ainda assim, numa explicação breve: a receita refere-se apenas ao total de dinheiro gerado pela venda de bens ou serviços durante um determinado período de tempo, isto é, corresponde à quantia bruta recebida antes de se deduzirem despesas e custos associados à produção, distribuição ou venda desses produtos e serviços. Já o lucro, a existir, define-se como a diferença positiva entre a receita total e essescustos.

Podemos ainda dividir o lucro em subtipos: o bruto, o operacional ou o líquido. Em todo o caso, o lucro é o valor positivo que sobra após a subtração de todos os custos associados à operação do negócio. Só com base nesse valor final é que podemos então concluir quanto se ganhou e, já agora, quem ganhou.

Quando chegamos ao “turismo”, parece que estes conceitos académicos basilares são esquecidos e ficamos presos à narrativa incondicional e sempre vantajosa da receita turística que o “país” ganhou. Pois bem: qualquer negócio comercial apreciado desse ponto de vista será “fabulástico”! A receita ou o número de visitantes são, de facto, indicadores tangíveis, fáceis de acompanhar e de comunicar, e muitos políticos optam porse limitar a eles para avaliar o sucesso do seu desempenho seja na criação de empregos, no aumento das receitas fiscais ou no desenvolvimento económico.

Chegados aqui e com tanto investimento público monocromático no turismo – passado, presente e futuro – que custos pagamos nós por ele? Os orçamentais, os ambientais, os sócio-laborais, oportunidade, os urbanísticos e infraestruturais, entre tantos outros. Estes custos são mais difícieis de quantificar e de apresentar de forma clara, mas é fundamental que sejam considerados porque é justamente aí que reside o caminho para uma política pública sustentável e equitativa do setor. Asustentabilidade no turismo não é reclicar o copo de plástico nos hotéis; é, sim, reconhecer aprofunda interligação entre os aspetos económicos e financeiros da “receita” com a criação de um equilíbrio social e ambiental duradouro e benéfico para as próximas gerações.

Recentemente,a empresária Catarina Portas afirmou que a cada novo hotel que abre na Baixa de Lisboa corresponde o fecho de 5 lojas. De facto, na rua da Prata, o hotel Eurostars (que ocupa metade de um quarteirão) eliminou cinco lojas: a cutelaria Polycarpo, fundada em 1822, a Casa das Malas, fundada em 1887, a João Cândido da Silva que vendia jornais e lotarias; uma loja de roupa e uma loja de tatuagens. Também na Rua do Ouro, o The 7 Hotel fez desaparecer 5 lojas e My Story Hotel encerrou 4, todas elas sem substituição.

O ritmo de licenciamentos governamentais para a abertura de novos hotéis nunca abrandou e nem a perda vertiginosa de habitantes nas freguesias do centro com a correspondente orientação monofuncional de todo um vasto territóriodemoveu o poder público. Tudo em nome do PIB e da “receita”…a imediata e oportunista. No espectro da criação de empregos e de acordo com dados do Banco de Portugal, os salários do turismo são dos mais baixos da nossa economia; já o Ministério do Trabalho alerta para o indíce de precariedade muito acima da média nacional dos empregedos criados pelo setor.

E o que dizer dos nossos jovens que ambicionem uma carreira noutras áreas? Caricaturando, quem não quiser ser engenheiro de turismo, investigador de turismo, médico ou enfermeiro de turismo, o melhor é mesmo procurar o seu rumo no estrangeiro, como aliás também acontece com quem quer ganhar condignamente no turismo e vai trabalhar em hotéis e restaurantes na Suiça, França e até na Islândia.

Em ano de eleições, o setor inicia 2024 com uma lista interminável de pedidos: alívios fiscais, redução do IVA, mais apoios e financiamento, mais promoção e um novo aeroporto. E, claro, um Ministério do Turismo autónomo. Se for para criar uma nova corte de “influencers” e para termos mais um porta-voz parcial e setorial no conselho de ministros…“obrigado pela tentação, mas não obrigado!”