A água é um bem público, renovável mas não infinito. A sua disponibilidade depende do balanço entre oferta e procura num determinado momento e num determinado lugar e, claro, das infraestruturas que asseguram essa oferta.

No entanto, esta verdade óbvia para qualquer bem económico está condicionada à natureza muito particular deste bem: é público pela sua natureza de recurso natural, mas o seu acesso depende em muitos casos de intermediários privados. A relação entre oferta e procura é pouco elástica, pois ambas as componentes são muito rígidas – o que tem obrigado à intervenção dos Estados para garantir o acesso à água.

São estas premissas que levaram a União Europeia à consagração legal de dois princípios à altura inovadores: o do utilizador-pagador e o do poluidor-pagador. No que toca à água, estes significam na prática que quem utiliza (quantitativamente) ou degrada (qualitativamente) a água que é de todos, deve pagar por isso de modo proporcional.

Mas a realidade que se impôs desde então é outra. O Estado tem sido chamado a intervir e dirigir a construção de infraestruturas pesadas (e caras), consideradas estratégicas para o desenvolvimento do País, como são as redes de abastecimento urbano ou as barragens e respetivos perímetros de rega. E aqui é que as regras se pervertem: se as primeiras serviram para garantir um direito humano básico (consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e nos atuais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas), já as segundas têm servido sobretudo para fornecer água para regadios privados.

De facto, muitos países desenvolvidos, incluindo Portugal, construíram estas infraestruturas que foram fundamentais ao abastecimento de água das populações e à produção de energia. Mas atualmente a cobertura quase total da população no que toca ao abastecimento, e o facto de existirem novas fontes renováveis de energia, já não justificam tais investimentos.

Sem pôr em causa a mais-valia e o valor económico acrescentado do setor agrícola moderno, põe-se no entanto em causa quem paga os elevados custos de base dessas infraestruturas – é que embora as empresas do setor agrícola paguem pela água que utilizam, em geral não pagam nem por essas infraestruturas, nem pela água que contaminam.

Na prática, isto significa, no primeiro caso, que são todos os contribuintes a subsidiar esses investimentos estruturais, que adicionalmente causam graves impactos ambientais e sociais; e no segundo caso, que as mesmas pessoas pagam a fatura ambiental resultante da degradação dos solos e das massas de água (bens públicos), causada pela utilização de produtos agroquímicos altamente poluentes.

A mesma violação de princípios de racionalidade económica ocorre frequentemente com a compensação financeira aos agricultores em situação de seca, ou dos residentes em leitos de cheia quando há inundações. Primeiro, o Estado permite que se exponham aos riscos, depois chama todos os contribuintes a pagar por isso quando tais fenómenos extremos ocorrem (cada vez com mais frequência).

Não seria mais sustentável, e mais barato, limitar a exposição dessas pessoas aos riscos? Mesmo que isso implique limitar as opções individuais de cada um, em nome de um bem comum?