Pensar o interior a partir das eleições legislativas é perceber o quão injusta é a distribuição do poder em Portugal.

Chocante para muitos, indiferente para a maioria, revoltante para os que cá estão, no interior. Senão vejamos: dos 230 deputados eleitos no passado dia 30 de janeiro, apenas 31 foram eleitos pelos oito distritos do chamado interior de Portugal continental. Ou seja, o Parlamento português é constituído por cerca de 85% de deputados do litoral e das ilhas e menos de 15% de uma vasta extensão de território, o tal interior do país.

Não estaremos a propor, certamente, que menos pessoas representem mais pessoas. Não estaremos a dizer que, porventura, menos pessoas possam eleger mais deputados/as.

Contudo, estaremos a dizer que este vasto território deve ser tido em conta para a distribuição de deputadas/os na Assembleia da República, a menos que passemos a entender dois terços do país como o nado-morto, que só conta para isso mesmo, terreno, espaço físico de um país que, tristemente, centra as suas vivências e decisões políticas em três ou quatro distritos: Lisboa, Porto, Braga e Setúbal.

Porque é que eu, residente no concelho da Covilhã, distrito de Castelo Branco, hei de aceitar que os deputados e deputadas eleitos pelos círculos eleitorais mais populosos me possam representar? Será que o deputado eleito por Setúbal reconhece as necessidades do interior do país? Não me parece.

Será que o distrito de Lisboa deve ser representado por quatro vezes mais deputados do que 85% do território continental? Não.

Será que a coesão territorial, tão diversas vezes abordada (de forma oca, claro!), deve esquecer a representação do território – e não só do número de pessoas – e ser pensada a partir de distritos populosos, não tendo em conta as diferenças abismais entre distritos? Não.

O que temos então? Um Parlamento com 230 deputados e deputadas, 31 dos quais, diria, super-deputados, pois, sozinhos, representam dois terços do território nacional.

Uma nota adicional. Mais de meio milhão de votos destas eleições foram para o lixo. Muitos, muitos deles no interior. Porquê? Porque num território que elege um número tão baixo de deputados, e que para eleger um deputado precisa de juntar milhares de votos, lembro, num território de baixa densidade populacional, significa que, muito provavelmente, o meu voto de domingo passado ficou perdido no nada. Independentemente do partido no qual eu tenha votado.

Soluções? Não temos para apresentar. De momento. Temos sim, um olhar de veemente repúdio por mais uma prova concreta das disparidades visíveis entre a linha do litoral português e a massa gigante de território que é apenas isso, território interior. Um território onde as pessoas pouco valem, segundo o método de Hondt, que resulta numa Assembleia da República que ignora quem para cá das montanhas vive.

Se tantas vezes ouvimos durante esta pandemia que o futuro do nosso país está no interior, percebemos agora, quando elegemos menos de 15% de parlamentares em 85% do território, que o futuro – político e de poder – em dois terços do país, que de momento, é mesmo “poucochinho”.