A temática da crise vem sendo focada, já há algum tempo, pelo economista norte-americano, Nouriel Roubini (e outros). Mas centremo-nos em Roubini, que diz estar no horizonte próximo uma grave crise global, para 2020. E, ainda no dia 24 de Setembro último, em plena campanha, veio reforçar esse alerta com um artigo que intitulou “Quatro Trajectórias de colisão para a economia global”.

Na campanha eleitoral que durou uma “eternidade” (refira-se na semana a meio houve mais de 50 mil portugueses, certamente bem informados, a quem foi permitido votar – um certo contra-senso prolongar mais uma semana ou deixar votar antes), ninguém esteve mesmo interessado em “tocar” nesta matéria.

Como poderiam “pensar” numa crise para 2020, com efeitos imediatos em Portugal? Estragava-lhes e complicava o enredo da campanha. Mas seria sério que o tivessem aflorado.

Que faria a direita portuguesa se falasse numa crise mundial e continuasse a falar de propostas da grande baixa de impostos que propõe e da “elevadíssima” carga fiscal com que o governo da geringonça “atropelou” o país durante quatro anos, para chegar a contas certas?! Era impossível, era contraditório. Crise que equivale sempre, nos termos da direita, a cortes nos rendimentos do trabalho e benefícios fiscais para certas actividades para puxar a economia, não se encaixava no modelo de campanha.

Durante uma semana, Tancos surfou o processo eleitoral da direita. Na segunda semana tiveram que voltar à carga com as grandes descidas de impostos, directa ou indirectamente (as deduções), entremeando contudo com Tancos.

A esquerda também não estava para aí virada, nem mesmo o PS. Na esquerda todos queriam apropriar-se do que de bom fez o governo da geringonça para ganhar votos, como a grande baixa dos preços dos passes sociais ou a devolução de algum rendimento às pessoas.

Durante os quatro anos de governo pareceu-nos que havia alguma repartição equitativa de responsabilidade por essas medidas, embora fossem evidentes as diferenças de abordagem dos problemas, mas logo na pré-campanha começou a luta das partilhas. Eu quero a minha parte, eu quero a tua parte… e de entendimento nada. Discordar entre si nas ideias e propostas era normal, mas quezília de partilhas, enfim…

Produzida esta pequena nota, dois ou três dados sobre Nouriel Roubini. É um economista norte-americano muito prestigiado sobretudo em matéria de economia política, que tem a seu favor ter antecipado a crise de 2008. Por exemplo, em 2005, afirmou à Forbes que “o preço dos imóveis residenciais surfava em onda especulativa o que brevemente faria afundar a economia”. Nem tinham passados três anos e aconteceu isso mesmo…

Agora, falemos do seu alerta. Desde 2018, anda Roubini a falar da crise “financeira” global para 2020 em jornais como o “Financial Times”. O seu artigo de 24 de Setembro último até teve alguma divulgação entre nós – pelo menos a ordem dos economistas enviou o artigo aos seus associados na versão francesa. Não seria mau que tivesse enviado também a versão em inglês!

Por conseguinte, não se pode dizer que os políticos não acederam à informação. Tiveram, mas não encaixava. Distorcia o enredo engendrado.

A “tese” desse artigo assenta em quatro cenários, “ou ondas de choque possíveis”. Nem se pode dizer que são assuntos novos. Todos estão sobre a mesa com mais ou menos desenvolvimento.

O primeiro cenário, já bem conhecido, tem a ver com o conflito comercial, tecnológico e monetário entre os Estados Unidos e a China; o segundo com as tensões entre os EUA e o Irão. O terceiro é o Brexit. O quarto é o que pode advir do confronto entre a Argentina e o FMI.

Nem todos os cenários têm a mesma dimensão mundial, defendo eu, embora todos possam vir a ter (se se derem) repercussões imprevisíveis muito espalhadas e atingindo os diferentes países com mais ou menos celeridade e gravidade. E, se conjugados em parte, seja lá de que forma for, pior serão ainda os efeitos nas economias dos diferentes países e no todo da economia.

Vejamos em termos simples e sintéticos o que diz Roubini sobre cada um destes cenários, “ondas de choque”…

Sobre as tensões EUA/China, os efeitos começam a estar à vista. Abrandamento da produção industrial no mundo. Contracção das trocas comerciais. Contracção e desvio de investimentos. Consumo privado em retracção. Tudo isto fazendo mergulhar as economias, americana e europeia, em grave recessão, bem como a chinesa cujo crescimento já acusa bastante a instabilidade das relações comerciais.

O cenário do conflito militar EUA/Irão. Uma consulta a acontecimentos semelhantes no passado e as consequências são evidentes. Desde logo a subida dos preços do barril de petróleo para além dos 100 dólares, com outras consequências económicas e sociais no domínio dos preços e da recessão. Foi o que aconteceu com a guerra do Kippour em 1973, com a revolução iraniana em 1979 e a invasão do Koweit pelo Iraque em 1990.

O Brexit “sem acordo” gerará sem dúvida uma recessão europeia, com efeitos posteriores a sobrar para outras economias. Existe a ideia de que a recessão será severa no Reino Unido e branda na Europa.

Roubini acha esta leitura muito naïf. Defende que a zona euro já se encontra em claro abrandamento e que vários países europeus que dependem bastante do mercado de exportações do Reino Unido – e cita a Holanda, Bélgica, Irlanda e Alemanha, este último já próximo da recessão – serão muito afectados. Acrescenta que a confiança nos negócios no seio da zona euro já se encontra abalada pelas tensões do conflito sino-americano. Ora, o Brexit caótico trará o golpe fatal à economia europeia. Poderá provocar ainda guerras monetárias significativas se o euro e a libra esterlina caírem fortemente face a outras moedas como o dólar.

A crise na Argentina, a verificar-se, será uma reedição da de 2001 e provocará sobretudo uma fuga de capitais de países emergentes com intensa repercussão nos países fortemente endividados, como a Turquia, Venezuela, Paquistão, Índia, Brasil, África do Sul, México, Equador, etc. De tudo isto decorre que o agravamento de qualquer um destes cenários e pior se alguns se sobrepuserem, a situação económica mundial vai tornar-se muito complexa.

Será possível evitar estas ondas de choque ou pelo menos em parte atenuar o seu impacto? Nenhuma das partes na contenda quer perder a face por razões várias, entre elas as de natureza política ou económica. Há eleições nos EUA, e a China pretende relançar o seu desenvolvimento, até para cumprir as metas faseadas aprovadas no último congresso.

Aqui o poder de negociação é fundamental. Há alguma margem, embora cada vez mais estreita, e no caso do Brexit a situação complexifica-se, até porque a situação no próprio Reino Unido é muito híbrida e com Johnson tudo pode dar-se.

Concluindo, Trump e Johnson são duas peças importantes neste puzzle, assim como Xi Jinping. O mundo a depender bastante destes senhores. Roubini termina o seu artigo com a seguinte frase: “o futuro da economia mundial assenta sobre quatro desafios no tudo por tudo, em que todas as saídas são possíveis”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.