A maior fatia da receita fiscal de impostos diretos tem origem no rendimento das pessoas singulares (aproximadamente dois terços dos impostos sobre o rendimento e cerca de 30% do total de impostos arrecadados pela Autoridade Tributária). Num país cujos recursos naturais, de maior valor no mercado internacional, são escassos, o maior recurso que temos é o da capacidade de trabalho das pessoas. Esse, porém, está fortemente ameaçado com a crise sanitária que atravessamos.

Ainda há quem imagine que o dinheiro cresce nas árvores. Porém, a realidade é bem diferente. O dinheiro da coisa pública é o resultado da mutualização de contribuições provenientes de… nós mesmos. E, nunca na história recente como agora, o resultado dessas contribuições é posto a uma prova de esforço que formula uma equação cujos contornos de solução ainda não vislumbramos.

Dir-me-ão que agora, o que é preciso é tratar da crise. A saúde está em primeiro lugar (e está). Sem a garantia de que teremos ultrapassado esta crise sanitária não vale a pena pensar noutras coisas (e não). Não sabemos ainda os contornos da dimensão da onda que se transformou num inacreditável tsunami nas nossas vidas, mas sabemos que, inevitavelmente, a fatura vem a caminho.

Invariavelmente, a conta é paga pela classe média. Na minha vida, nunca vi que fosse de outra forma. Foi assim nas décadas de 70 e de 80 do século passado. Foi assim nas mais recentes crises financeira e de dívida soberana da década que agora termina.

Recordo que a receita de IRS entre 2008 e 2010 rondava os 9 mil milhões de euros por ano, que contrasta com os 13 mil milhões de hoje. E as receitas de IVA, que decorrem do poder aquisitivo das famílias, que rondariam os 12 mil milhões por ano, contrastam com 17 mil milhões de hoje. Mas, foi um período em que, com muito esforço, e com o auto-apelidado “brutal aumento de impostos”, se conseguiu acomodar as necessidades de incremento de receita fiscal.

E agora? Agora, estamos no meio de uma redução inimaginável de força de trabalho, que deixa de gerar rendimentos tributáveis. A dita classe média (se abusivamente considerarmos que é a que compreende rendimentos anuais entre os 13.500 euros e os 50 mil euros, conforme alguns assim apelidam, ou seja, os que auferem um rendimento líquido mensal entre os 900 e os 2500 euros), que representava 44% das receitas de IRS, reduzir-se-á drasticamente.

Sem rendimento, ou com rendimentos provenientes da Segurança Social fruto de lay-off ou de outras situações, os agregados familiares da população ativa não têm forma de ser chamados a contribuir. Com a consequente redução dos impostos indiretos (IVA e outros) provenientes de transações, pela inevitável queda abrupta do consumo.

Não é preciso ser grande matemático ou financeiro para se perceber que uma equação com referência circular não tem solução, a não ser que se lhe coloque um valor exógeno, que preencha o parâmetro em falta para que se encontre um resultado. Nunca a União Europeia foi tão importante, pois é apenas essa força coletiva que nos pode ajudar a preencher o valor em falta numa equação de impossível resolução. Para que a classe média não nos falte. Para que a Europa faça sentido. Para que a democracia sobreviva.