Acabam de ser tornadas públicas as contas dos CTT. A Administração decidiu distribuir de dividendos o dobro dos lucros da empresa em 2017! Novidade? Não, já o ano passado tinha feito o mesmo face aos resultados de 2016. As “reservas” têm permitido este regabofe. Em 2012, os CTT públicos com um lucro de 35,7 milhões de euros pagaram ao Estado 33 cêntimos por acção. Em 2017, os CTT privados, com um lucro de 27,3 milhões, pagam 38 cêntimos, igual ao de 2016. E porquê? Explica o Lacerda: porque estava prometido!

Espanto? Não. Os interesses dos accionistas estão acima da “saúde” económica da empresa, e muito acima dos interesses públicos que ela serve, mas percebemos melhor a degradação do serviço postal. Do ponto de vista da sua defesa e desenvolvimento, caso do investimento, é uma monstruosidade! Aos (quase) anónimos accionistas, nada a objectar. Eles investiram, adquiriram capital na privatização dos CTT, para ter retornos e retornos substanciais. Mesmo se a empresa cai em prejuízos, faz desinvestimentos, despede e degrada o emprego (em 2017, menos 125 efectivos e mais 139 a prazo, concluindo assim o despedimento de 200 e anunciando querer mandar embora mais 800), aumenta a exploração dos seus trabalhadores, encerra e destrói estações do serviço postal. Nada que outros não tenham feito. E já esta semana, ficamos a saber que a NOS vai entregar aos accionistas 157 milhões de euros, “um valor mais alto que os resultados líquidos obtidos” (Jornal i, 13MAR18). Um aumento de 50% nos dividendos. Lógica: distribuir o que não se produziu.

O estranho é que os aterrados que levantaram a voz cheia de temores pelo futuro da Autoeuropa, perante a justa luta dos seus trabalhadores pelos seus direitos, agora se calem. Os aflitos comentadores, que agora “descobriram” o inaceitável sacrifício do investimento público, quando o Estado repõe e de forma insuficiente as remunerações dos seus trabalhadores – como se esse sacrifício não tivesse outras e conhecidas origens – agora não piem! Ou, os que todos os dias glorificam a gestão privada versus pública, agora nem chus nem mus, a não ser saudar a excelsa administração de Francisco Lacerda. O que aparentemente vai continuar até que haja (talvez) mais um banco em Portugal, mesmo que possa não haver uma única uma Estação dos CTT/Correios!

Os salários, as reformas, são sempre possíveis de restrições e cortes, de andar para trás. O bolso dos que trabalham ou já trabalharam, é sempre, mas sempre compressível! E a actualização dos salários deve ser sempre vigiada pela produtividade. E para os apoios sociais, inclusive as pobres reformas do regime não contributivo, até se inventou o IAS, não fossem subir ao ritmo exagerado do SMN. No dividendo, todos os santos empurram… para cima! É dinheiro-direito dos investidores. É da natureza dos mercados financeiros. São intocáveis e todo-poderosos. Serão mesmo divinos. Nada pode prevalecer contra eles. E muito menos o poder público, o poder da democracia, o poder do povo.

Os que privatizaram os CTT, bem como os que ajudaram à “missa”, devem dar saltos de contentes. Que boa gestão faz o Lacerda!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.