“Portugal está a envelhecer rapidamente. A redução de população em idade ativa até 2050 estará entre os maiores da OCDE, levando a uma queda substancial no número de contribuintes do sistema de pensões.”OECD Review of Pension System in Portugal, 2019

Um dos debates de políticas públicas estruturais que maior visibilidade poderá vir a ter nos próximos anos está relacionado com o atual formato do sistema de pensões português. Sobretudo porque vários indicadores sugerem uma série de desafios sérios que poderão transformar por completo a forma como, até agora, tem sido encarada a sua arquitetura tradicional.

Desde logo, por se tratar de um sistema com âmbito de distribuição universal, e parcialmente financiado por impostos, encontra-se dependente das condições financeiras do Estado a cada momento. Ao mesmo tempo, depende fundamentalmente das dinâmicas demográficas nacionais, onde a quebra na natalidade e envelhecimento da população representam desafios de monta. Por último, porque também é um sistema influenciado pelos desenvolvimentos do mercado de trabalho, onde a automação e a digitalização podem vir a criar dificuldades adicionais nas próximas décadas.

O debate sobre esta potencial “bomba-relógio” tem tido reduzida visibilidade na opinião pública e encontra-se, talvez, demasiado polarizado politicamente. Mas existem já alguns estudos recentes da comunidade científica, inclusivamente da OCDE, que indiciam a necessidade de promover reformas profundas e discussão alargada sobre o futuro das pensões em Portugal.

As principais características do sistema português assentam na solução pública e de repartição

O sistema português de pensões assenta em três níveis diferentes, estando estes configurados de acordo com aquelas que são as premissas teóricas globais definidas, por exemplo, pela agência da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Ou seja, num primeiro patamar (zero), encontram-se enquadradas as pensões do regime não contributivo, como é o caso da pensão social, ou a garantia de valores mínimos no regime previdencial, vulgarmente chamadas de pensões mínimas. Este patamar zero caracteriza-se por ser universal (dependente de verificação de condições dos recursos), sendo financiado, por regra, pelos impostos do Orçamento do Estado. Ou seja, são de base não contributiva.

Depois, num nível acima (o patamar 1), encontram-se todas as pensões de caráter contributivo (ou seja, financiado por contribuições de trabalhadores, e das entidades empregadoras), mas que têm a gestão a cargo do Estado. Por fim, existe ainda um patamar 2, que é de caráter normalmente complementar, que decorre da relação entre empregador e trabalhadores (ex.: Fundos de Pensões específicos de sectores) e ainda poderíamos considerar um nível ou patamar 3, que é onde cabem as soluções a título de cada indivíduo (caso dos PPR). Estes dois últimos níveis são, normalmente, geridos por privados.

No entanto, em Portugal, estes últimos dois níveis do sistema tradicional de pensões apresentam uma dimensão bastante reduzida, sendo que durante as últimas décadas o patamar 1, pensões geridas pelo Estado, foi absorvendo regimes de pensões que, tradicionalmente, estariam a cargo de privados (ex.: empresas públicas, sector bancário).

Isto significa que os dois primeiros níveis são a essência do sistema de pensões português, que acaba por ser um sistema de adesão obrigatório, de gestão a cargo do Estado, em que existe um mecanismo de forte dependência das dinâmicas demográficas, uma vez que as contribuições dos trabalhadores atuais financiam as pensões dos atuais pensionistas, em detrimento de um sistema de da acumulação das mesmas contribuições, aditivadas dos ganhos em aplicações e posterior distribuição dos valores investidos.

Por último, e no que diz respeito à idade da reforma, desde 2014, aos 66 anos e cinco meses, desde que tenha acumulado um mínimo de 15 anos de contribuições. Existe a possibilidade de pedir antecipadamente a mesma, mas desde 2007 que foi introduzida uma penalização no cálculo do montante da pensão – o designado “fator de sustentabilidade” tem como objetivo desincentivar as reformas antecipadas.

A sustentabilidade do sistema de pensões é complexa e a gestão de equilíbrios difícil…

Apesar do reduzido debate público, tem sido cada vez mais frequente a publicação de análises científicas sobre as reais possibilidades de Portugal manter o seu atual sistema de pensões, e que este seja capaz de providenciar suficiente retorno, não só para garantir uma prestação financeira aos idosos, mas também evitar quedas abruptas no rendimento disponível, e garantir um nível de vida adequado aos pensionistas – e, sobretudo, evitar o risco de pobreza pós-reforma.

O próprio sistema de atualização das pensões nacional, dependente quase em exclusivo da inflação, tem vindo a registar a uma forte perca de valor real face à evolução dos salários, quando comparados com a evolução média dos salários, de acordo com o Relatório sobre Adequação de Pensões de 2021 da Comissão Europeia.

Uma das variáveis mais frágeis tem a ver com as dinâmicas demográficas de Portugal. No estudo apresentado em 2019 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), “Sustentabilidade do sistema de pensões português” , a equipa de investigadores apresenta uma realidade bastante complexa para as próximas décadas.

Estima-se que, entre 2020 e 2070, a população portuguesa diminua de 10,2 milhões para 7,9 milhões de habitantes (-22,5%), sendo que esta diminuição deverá ser acompanhada por uma redução acentuada da população ativa em cerca de 37%. Ao mesmo tempo, apenas entre 2020 e 2045, o número de pensionistas deverá crescer de cerca de 2,7 milhões para 3,3 milhões. Perspetivas que deixam antever uma enorme dificuldade de manutenção do statu quo atual.

Acresce que a dinâmica de crescimento da economia portuguesa – fundamental para o crescimento da produtividade e dos salários – necessita de inverter rapidamente a tendência das últimas décadas de divergência com a média europeia, fator para o qual será fundamental recolocar Portugal no trilho das reformas necessárias para aproveitar a esperada colisão tecnológica relacionada com os desafios do carbono zero.

De acordo com o estudo da FFMS, um cenário de produtividade baixa resultará numa degradação significativa da situação financeira do Regime Previdencial da Segurança Social, com os défices desse Regime a variarem entre os 4% e os 5% do PIB, entre 2050 e 2070. Este cenário implicaria o aumento das transferências do Orçamento do Estado adicional para fazer face ao pagamento das pensões e, a prazo, uma espécie de colapso do sistema tradicional.

… e não cumprirá a função de uma reforma sem risco de pobreza

O sistema de pensões continuará a necessitar de ser blindado e ajustado em termos de idade de reforma e de penalizações, de forma a poder sobreviver tal como está. Estas recomendações estão também patentes no estudo produzido pela OCDE em 2019, sobre o sistema de pensões português.  Contudo, a filosofia imbuída no sistema público de pensões passa por garantir que exista um nível de vida adequado, sem quedas acentuadas nos rendimentos, e que permitam reduzir o risco de viver em pobreza no ultimo ciclo da vida.

Um dos indicadores produzidos pelo estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, o Rácio de Benefício das Pensões de Velhice da CGA (que compara o valor médio das pensões no sistema com o valor médio dos salários na OCDE), prevê que exista uma deterioração de 1,20 em 2020, para quase metade (0,59) em 2040.

Ou seja, neste ponto, a manutenção do sistema tal como está, mesmo implementando todas as recomendações de política pública recomendadas pela OCDE, é de elevada complexidade e dificilmente cumprirá com os princípios basilares do que é uma solução pública para gestão das pensões – que é a de garantir uma solução digna e financeiramente sustentável. Isto é, que não consuma fundos ao Orçamento do Estado.

‘Bottoms up’: debate mais de políticas públicas e menos de ideologia. Maior palco à literacia financeira e incentivo às soluções privadas

Existem várias alterações de paradigma que são necessárias. Por um lado, existe um paradigma ideológico em Portugal, em que a gestão de soluções de reforma são da exclusiva responsabilidade pública e do Estado. Os patamares de gestão privada e soluções de capitalização devem ser encorajadas. Portugal tem um dos níveis de literacia financeira mais baixos da Europa e isso deve ser corrigido, pois permitirá que mais portugueses procurem alternativas ao único sistema existente, preparando adequadamente a sua reforma em várias frentes.

Por outro lado, a transformação do sistema público num que seja mais de capitalização das prestações efetuadas e menos próximo do sistema que existe hoje, dependente da capacidade contributiva atual para enfrentar as prestações fixas dos pensionistas, poderá conferir maior transparência e fiabilidade sobre aquele que é um dos principais pressupostos do contrato social entre Estado e os seus cidadãos.

Por último, para o cidadão, importa que o debate ganhe palco, de forma a que os portugueses percebam o que está acontecer, sem dogmas ideológicos. Com um objetivo, i.e. que todos aqueles que se encontram na vida ativa possam optar por soluções de investimento que lhes permitam diversificar para poderem ter, no futuro, condições de reforma que garantam qualidade de vida.