Os primeiros meses do ano antecipavam um verão excecionalmente bom para o turismo em Portugal. A ter-se cumprido teríamos hoje as nossas cidades e praias pejadas de turistas. Em vez disso temos um enorme vazio, hotéis com ocupações muito baixas, cidades deixadas aos seus habitantes, praias disponíveis para tranquilos momentos de lazer.
A pandemia alterou tudo. Hoje, finalmente, passados alguns meses após o início do surto da Covid-19 a Europa regressa a alguma normalidade, um novo normal.
Estamos agora naquele período em que, tradicionalmente, a azáfama associada ao turismo estaria num dos seus auges e, todavia, a atividade turística continua quase paralisada.
O impacto estimado da Covid-19 no turismo é tremendo! E, será ainda mais se as restrições de viagem se mantiverem. Os primeiros dados do barómetro da World Tourism Organization (UNWTO) disponíveis, apontam para uma redução de atividade de 22% no primeiro trimestre de 2020, com as chegadas em março a caírem 57%. Isso traduz-se numa perda de 67 milhões de chegadas internacionais e em cerca de 80 biliões de dólares em receitas.
A situação é de grande incerteza e é por essa razão que se vão observando sucessivas revisões em baixa das perspetivas para o sector do turismo no corrente ano. A UNWTO avança com três cenários, que sublinha não serem previsões, e que, decorrendo do momento em que as restrições de viagem sejam levantadas, antecipam declínios de 58% a 78% nas chegadas internacionais de turistas[1].
Saliente-se que esta redução das chegadas internacionais de turistas não significa, necessariamente, quebras de atividade no setor desta ordem de grandeza na medida em que subsiste o turismo interno, não ponderado na análise. Todavia, considerando apenas o efeito referido a UNWTO antecipa que “esses cenários colocariam em risco de 100 a 120 milhões de empregos diretos no turismo”.
Estas projeções, dramáticas relativamente ao futuro próximo do turismo, são, todavia, melhores que os cenários elaborados pelo The World Travel & Tourism Council (WT&TC) onde estima, num melhor cenário a perda de 98,2 milhões de postos de trabalho e no pior dos cenários a perda de 187,5 milhões de empregos.
A situação conjuga assim um grande dramatismo e ainda uma grande imprevisibilidade. Há um grande desconhecimento acerca do modo como a situação irá evoluir e, ao olhar-se para a história, apenas encontramos uma situação vagamente similar: a crise que o turismo atravessou no início do século associada aos atentados em Nova Iorque de setembro de 2001 e ao surto SARS em 2002 e 2003. À semelhança do que então se passou, é possível que uma efetiva retoma do turismo ocorra apenas em 2022. Se assim for, não será apenas este ano que o sector enfrentará grandes dificuldades, o mesmo ocorrerá no próximo ano.
Não houve quem deixasse de ver nesta crise do turismo um sinal de que não deveríamos voltar a ter 25 milhões de turistas ano, de que nos devíamos livrar dos Airbnb, de que se calhar até nem necessitamos de um novo aeroporto para Lisboa, ou talvez nem precisemos assim tanto de voos para o Porto, ou que o que era importante agora era apostar num turismo de maior valor acrescentado.
Há quem olhe para o turismo e considere que ele é sempre a imagem do desenvolvimento de países que não conseguem ser competitivos de outra forma que através da exploração do “sol e areia”, e há quem olhe para o desenvolvimento recente do turismo em Portugal e ache que ele foi feito principalmente pelo “sol e areia”.
Há fundamentalmente dois erros de apreciação daquilo que é o turismo e do papel do turismo português no mundo, que importa salientar. Em primeiro lugar, a discussão sobre o turismo parte frequentemente do preconceito de que o turismo se destina principalmente a países com menor grau de desenvolvimento e economias menos sofisticadas, que basicamente exploram “sol e areia”.
Não é verdade que assim seja. Os principais países-destino do turismo são países desenvolvidos – os Estados Unidos da América, a Espanha e a França, têm essa primazia. Nos dez primeiros destinos para lá da Tailândia e de Hong Kong todos os outros são países desenvolvidos, e muitos deles pouco apelativos no binómio sol e areia.
O segundo erro de avaliação prende-se com a apreciação que se faz da evolução do turismo em Portugal na última década. No ranking de competitividade do turismo do World Economic Forum, Portugal evoluiu da 18ª posição em 2011, para a 20ª posição em 2013 (fruto da degradação da atividade económica) e depois sucessivamente para a 15ª posição em 2015, 14ª em 2017 e 12ª em 2019.
Esta imagem do país também se obtém se a análise incidir sobre os World Travel Awards, onde os últimos anos têm sido marcados por sucessivos prémios. Mas também se sente isso naquilo que é a vivência do turismo em Portugal, na afirmação do Porto, e do Norte em geral. Na capacidade de afirmação de programas de natureza regional ou local de grande pujança – o surf na região do Oeste, as aldeias de xisto, o turismo dos Açores – para se referir apenas alguns.
Os tempos não são fáceis e as notícias de limitações a viagens para e de Portugal não auxiliam nem a autoestima nem a retoma adequada da atividade do setor. Todavia, pensar que uns quantos corredores aéreos resolveriam o problema do turismo em Portugal nos próximos anos é ilusório.
O turismo fez em Portugal um percurso consistente. É claro que subsistem muitos problemas. O modelo de desenvolvimento turístico do Algarve. A pressão turística em Lisboa e a adequação das infraestruturas existentes, nomeadamente das aeroportuárias, a essa pressão. A grande dependência do turismo em algumas regiões, funcionando quase como mono-indústria. A incapacidade do turismo se assumir como um fator preponderante de desenvolvimento dos territórios de menor densidade e de se constituir como um elemento de fixação das populações. A baixa qualificação dos recursos humanos e a falta de atratividade das carreiras profissionais no setor, etc..
Porém, a resolução destes constrangimentos tem de ser compatível com o percurso realizado até aqui. Tem sido um percurso com estratégia, assente no reforço de competências e know-how, baseado na cooperação e no envolvimento dos diferentes agentes: Estado, empresas, trabalhadores, autarquias, etc..
Por muito importante que os problemas do dia a dia, as dificuldades das empresas e de trabalhadores, sejam acompanhados e se faça um esforço significativo para não deixar cair os projetos existentes. Todavia, isso tem de ser compaginável com o reforçar da reflexão sobre o futuro do turismo em Portugal e com a criação de condições para o reforço de competências e capacidade de inovação. Este tempo de interregno pode e deve ser usado nesse sentido.
[1] Cenário 1. Restrições de viagem levantadas e as fronteiras nacionais abertas no início de julho – redução de 58%; Cenário 2. Restrições de viagem levantadas e as fronteiras nacionais abertas no início de setembro – redução de 70%; Cenário 3. Restrições de viagem levantadas e as fronteiras nacionais abertas no início de dezembro – redução de 78%.