No princípio desta semana o dinheiro acordou sobressaltado. Japoneses travaram as ações, americanos venderam o que acreditam ser risco e os europeus afundaram criptomoedas e maluqueiras tecnológicas dos ‘Musks’ deste tempo. As principais televisões e jornais de referência correram à procura da notícia, de uma explicação ou de culpados – terá sido o combate à inflação por parte do Banco Central Americano, o calculismo de Lagarde, o ataque anunciado do Irão a Israel ou os ventos do Olimpo entediados com Paris?
Também eu me sobressalto com o vício do jogo. Um vício humano que não começou neste tempo de igualdade furiosa. Até os pobres têm agora a raspadinha para dar cor à coletiva necessidade de arriscar, de ter mais ou um bocadinho a mais que seja. O mundo transformou-se numa sala de jogo, mas um lugar em que já não reconhecemos quem verdadeiramente manda. Cada vez é mais reconfortante rever O Padrinho, que saudades da família Corleone a quem pedíamos favores em troca de lealdade.
E que saudades do dinheiro de carne e osso. Da Bonnie e do Clyde a assaltar bancos e a levar massa a sério. Já não há notas ou moedas. Se dez pessoas remediadas forem levantar todo o seu dinheiro ao mesmo tempo não haverá forma de o balcão resolver o assunto em dez minutos. Não temos dinheiro, apenas a informação que o temos. E quanto mais se tem menos se vê, são números, algoritmos, contabilidade. O mundo acordou sobressaltado com os mercados, o que mais se aproxima de uma ideia de Deus, mas com a vantagem de ser uma divindade humana.
Somos muito hipócritas. Queremos abolir os tráficos, mas dependemos deles. Todos, a começar por mim. Se retirássemos do sistema financeiro o dinheiro lavado dos tráficos de droga, de pessoas, de armas e de tudo o resto, o mundo colapsava como nós o conhecemos. Metade das empresas iria à falência, mais de metade dos trabalhadores deixariam de ter trabalho e muito mais milhões dilacerariam de fome e peste. Precisamos do dinheiro sujo, precisamos que se torne limpo pois não nos podemos dar ao luxo de ver desaparecer metade – pelo menos – do capital que circula no mundo.
É mesmo assim, radicalmente humano. Radicalmente perverso. E radicalmente ancorado numa ideia de esperança e de um mundo mais justo. Porque se retirarmos metade do dinheiro, os ricos continuarão a ser ricos, mas os pobres deixarão de o ser. Tornar-se-ão indigentes.