Não há editor em Portugal que não esteja consciente do sucesso dos livros de autoajuda e desenvolvimento pessoal no mercado nacional. Há cerca de dez anos, a publicação de “O Segredo” de Rhonda Byrne deu a conhecer a milhões de leitores em todo o mundo as Leis da Atração e tentou convencê-los de que se acreditarmos que as coisas acontecem na nossa vida, elas acabam por acontecer.

Mais recentemente, “A Arte Subtil de Saber Dizer que Se F*da” de Mark Manson tornou-se um dos livros mais vendidos em Portugal, continuamente nos tops desde janeiro de 2017, levando muitos editores a copiarem o estilo do livro com asneiras e asteriscos na capa.

Livros mais recentes passaram a focar-se menos no pensamento positivo e mais na gestão de ansiedade e stresse, face a uma sociedade cada vez mais instável, precária e opressiva.

É neste contexto que o mindfulness irrompeu como um jogador dominante no setor da autoajuda. Inspirado em práticas budistas, a técnica do mindfulness pretende disciplinar o cérebro e incentivá-lo a um treino mental que permite ao indivíduo reajustar-se às condições do seu ambiente. Não procura ir à raiz dos problemas, apenas oferecer uma solução provisória para gerir as reações aflitivas que o nosso organismo demonstra quando submetido a altos níveis de stresse e ansiedade.

Mas, por mais bem-intencionado e inofensivo que aparente ser à partida, não há nada na nossa sociedade que não acabe contaminado pela ganância.

Em “McMindfulness: How Mindfulness Became the New Capitalist Spirituality” de Ronald Purser (um excerto pode ser lido no The Guardian), acordamos para o facto de esta se ter tornado uma indústria global avaliada em quatro mil milhões de dólares que despolitizou as causas do nosso sofrimento, convencendo-nos de que o problema está dentro de nós e nas nossas reações desproporcionadas.

De forma muito subtil, convenceu-nos também a ser passivos e a não procurar mudanças radicais. Temos de nos focar no momento, dizem os promotores de mindfulness, de forma a travar a espiral de pensamentos negativos vindos do passado ou do futuro.

Purser mostra-nos como a marketização do mindfulness permitiu que uma técnica de autodisciplina fosse transformada numa prática quase espiritual que procura manter as pessoas motivadas, calmas e mentalmente sãs (pelo menos na aparência) para uma semana de trabalho de 80 horas. Evita julgamentos e encoraja-nos a tolerar as engrenagens de um sistema laboral e social opressivo, encorajando termos como “resiliência”, autodomínio” e “mudança”.

Mas se há coisa que aprendemos é que não há verdadeira mudança, há apenas uma técnica para lidar com a nossa raiva, insegurança, medo que está a ser vendida como terapia. Não ignorando o facto de o mercado de autoajuda ter dado conforto a milhares de pessoas, é importante entendermos a forma subtil e perniciosa como o mindfulness se entranhou em todas as facetas da sociedade.

mindfulness na educação, nas empresas, nas finanças, na liderança e até na forma como comemos. Em todo o lado o mindfulness diz-nos para não julgarmos. Em suma, para ignorarmos as causas reais dos nossos males. E é precisamente por isso que o seu contributo acaba por ser tão destrutivo.