Em 2024, a Inteligência Artificial (IA) conquistou o mundo desenvolvido. Foi uma espécie de disrupção com uma ferramenta que substitui algumas das actividades de tratamento de informação executadas por outras aplicações informáticas, enquanto oferece uma inquestionável utilidade com capacidade adicionais no acesso a conhecimento explícito. Basta perguntarmos às pessoas que nos rodeiam se utilizam IA no seu dia a dia para constatarmos que passou a ser usada de forma generalizada, quando antes estava apenas na mão de um número reduzido de especialistas. A IA vai alterar comportamentos e procedimentos. Resta saber quão profunda vai ser essa transformação.

Convém lembrar que a IA não passa de uma ferramenta informática, e que já não é a primeira vez que vivemos uma disrupção com origem nas tecnologias da informação. Quem já cá anda há muito tempo lembrar-se-á dos computadores pessoais ainda sem de folhas de cálculo no final dos anos 70, tais como o Apple IIe ou o Spectrum; bem como do subsequente aparecimento das folhas de cálculo com os IBM PC. Lembrar-se-á também do aparecimento da Web nos anos 90, quando afinal a própria internet já estava operacional uns 25 anos antes. São exemplos inquestionáveis de mudança disruptiva.

A disrupção criada pela IA agora em 2024 foi muito mais rápida quando comparada com as anteriores porque as sociedades aprenderam a mudar muito mais depressa. Então o que é que aí vem?

A mudança vem sempre da alteração de actividades. Por exemplo, a folha de cálculo permitiu passar a trabalhar os dados das organizações de forma automática e interactivos. Teve tanto sucesso que ainda hoje não podemos passar sem esta ferramenta. Já a Web permitiu o acesso interactivo aos dados dos computadores ligados à internet, entre outros dispositivos. Mas a IA é distinta porque oferece conhecimento em vez de dados, e também de forma interactiva. Mas que tipo de conhecimento?

Os processos das organizações sempre integraram conhecimento. Antes do aparecimento das tecnologias da informação, este era essencialmente tácito, o chamado saber de experiência feito. Com os dados informáticos, passámos a ter mais acesso ao conhecimento explícito, um saber codificado e difundido à medida da capacidade da TIC. É, por exemplo, por isso que a mobilidade tem tido tanto impacto, ao criar condições para que esses dados possam passar a estar presentes em todos os momentos do dia a dia e não apenas quando estamos em frente ao computador. A questão é o que esses mesmos dados podem representar, e é aí que a IA vai fazer a diferença.

Sabemos que a transformação digital pode aumentar (i) a eficiência das actividades, (ii) a eficácia dos seus objectivos, (iii) o redesenho de processos, quer dentro da organização, quer entre organizações, (iv) a injecção de dados nos processos com diferentes níveis de codificação nos mesmos, bem como (v) ser factor de vantagem competitiva através de qualquer uma das dimensões anteriores, separadamente ou em conjunto, dependendo das condições do ambiente competitivo.

E também sabemos desde o final dos anos 80 que, no longo prazo, o único factor de vantagem competitiva verdadeiramente sustentável do ponto de vista estratégico é o conhecimento. Parece, portanto, que a IA, ao tratar directamente o conhecimento, será factor de vantagem competitiva por si só. Mas a verdade é que não é assim tão simples.

Por exemplo, será que conseguimos alcançar a ambicionada vantagem competitiva só por utilizarmos a Web? A resposta é um redondo não. As empresas que aderiram à Web sem alterar o seu modelo de negócios aprenderam da forma mais terrível o que é um ambiente mais competitivo e menos rentável, ao ponto de, em muitos casos, apenas haver lugar a prazo para um só competidor na indústria em causa. Além disso, por muito interessante que seja uma proposta de valor, só vamos conseguir alcançar o sucesso se houver condições logísticas e de mercado para tal. Às vezes até de regulação.

Aliás, a existência das Big Tech, essencialmente do outro lado do Atlântico, são bem a prova da inexistência das condições necessárias ao sucesso desse tipo de modelos de negócio no espaço geopolítico da União Europeia. Claro que não tem de ser sempre assim para cada nova tecnologia, pelo que, cada disrupção potencial deve ser analisada com uma visão estratégica, lúcida e abrangente, não dependendo apenas da tecnologia em causa.

Vai ser esse o tema da segunda parte deste artigo, onde vamos discutir as consequências da transformação digital com origem no conhecimento disponibilizado pela IA tal como a conhecemos hoje.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.