Perante a discórdia de deputados, jornalistas ou colegas no governo de Pedro Passos Coelho, o idiossincrático Vítor Gaspar começava frequentemente o contraditório com a seguinte frase: “parece haver alguma confusão sobre este tema, passo a explicar”. Um estratagema enervante, claro, mas eficaz e que vou reciclar.

Parece haver aqui alguma confusão: a ideia de que fenómenos perigosos, populistas e/ou de extrema-direita, como Donald Trump, Marine Le Pen, Nigel Farage, Jair Bolsonaro, o espanhol Vox ou a versão local na forma de André Ventura, surgem por culpa dos erros da esquerda, seja ela centro-esquerda ou radical.

Não há como negar que esses erros e tropelias foram cometidos, na forma de alegada corrupção (como no caso do PT no Brasil e de José Sócrates em Portugal), de perigosas ambições militares (Tony Blair e a guerra do Iraque), de ligações com o capital (que ajudaram a demonizar Hillary Clinton) ou pela repetida incapacidade de aplicar ou manter medidas económicas que promovam o tão prometido desenvolvimento mais justo e abrangente.

Não há como negar que os erros resultaram numa desilusão profunda para grande parte da população, descontente com o rumo das suas vidas e a forma como estava a ser tratada pelos governantes. Essa desilusão criou uma espécie de vácuo, uma grande oportunidade para o populismo e uma manipulação da realidade que levou muitos eleitores a votar em políticos que se dizem ‘antissistema’, mas que raramente o são e apenas usam o termo para mascararem ideologias extremas.

Mas podemos negar, sim, que os partidos de esquerda são os principais responsáveis pelo surgimento de partidos como o Tea Party ou o Chega.

A oportunidade foi aproveitada, e de que forma, por movimentos com características muito específicas. Bem financiados, ligados em rede e coordenados internacionalmente por figuras como Steve Bannon. Utilizaram as redes sociais, meios de comunicação próprios, a falta de honestidade, a demonização de minorias e outros partidos para ganhar escala. Dito sem rodeios, a culpa é deles, porque fizeram essas opções, porque fomentaram a divisão na sociedade.

Os partidos de esquerda têm claramente de fazer uma introspeção e tentar corrigir alguns dos erros do passado. Mas esse processo também tem de ser feito por outros culpados pelo surgimento dos Donald Trumps e dos André Venturas deste mundo – os partidos de centro-direita.

Esses partidos celebraram o falhanço da chamada ‘terceira via’ criada pelo centro-esquerda, mas não perceberam, ou compreenderam tarde demais, que quem estava, de facto, a ganhar com isso era o extremo à sua direita.

Nos EUA, o Tea Party foi uma espécie de vírus que infetou os republicanos. No Reino Unido, o UKIP forçou os conservadores a embarcar na desastrosa aventura do Brexit. Em França, o partido de Jacques Chirac já quase nem existe, enquanto Marine Le Pen chegou à segunda volta das últimas presidenciais, tal como o pai, Jean-Marie, conseguira em 2002.

Em Portugal, o PSD esforça-se por dar sinal de vida perante o crescimento do Chega e criou um precedente perigoso ao celebrar o acordo nos Açores. O CDS-PP, órfão de Paulo Portas, minguou para voltar a ser o partido do ‘táxi’, a principal vítima da sua própria estratégia e da ambição de André Ventura.

Na batalha política, apontar as culpas ao adversário errado é perigoso, porque o outro concorrente, o verdadeiro culpado que joga sujo, sai ileso e pronto a causar mais danos. Não devia ser preciso explicar isto a alguns políticos.