Um dos desígnios consagrados na nossa Constituição é o da descentralização do poder pelas diversas regiões de Portugal. Na verdade, apenas nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores essa descentralização foi mais longe. No resto do território nacional assistimos a uma doentia centralização na região de Lisboa.

O argumento de que somos um país pequeno, logo não necessitamos de descentralização, não colhe. Há outros países europeus de dimensão similar que estão muito mais descentralizados.

A descentralização não diz só respeito ao poder político, ao Estado em sentido lato, mas também ao poder económico.

Acontece que a doença macrocéfala lisboeta manifesta-se pelo facto do distrito de Lisboa ser, ao mesmo tempo, o centro político, turístico, económico e cultural de Portugal. Uma tradição que vem desde os tempos da ditadura, que a Constituição de 1976 quis inverter, mas que as dinâmicas sociais, políticas e económicas da democracia não conseguiram materializar.

Se é verdade que uma parte substancial da população da região de Lisboa provém doutras localidades, uma vez aí instaladas, essas pessoas rapidamente se convertem à conveniência que o centralismo lhes traz. Esquecendo as suas raízes, que tantas vezes estão no interior ou norte do país, passam a achar normal que esteja tudo em Lisboa – os melhores empregos, as melhores redes de comunicações – aéreas (o caso da TAP é obsceno), ferroviárias (só a crise parou o TGV Lisboa-Madrid) e viárias – os mais altos rendimentos, e todas as importantes instituições do Estado.

Acontece que Portugal tem um todo território que necessita de ser respeitado e cuidado, e pelo qual o Estado é responsável. A luta contra a desertificação do interior vai sendo tema de debates, mas nunca nada de efectivo se concretiza, mesmo quando as consequências são trágicas como nos incêndios do ano passado.

Uma repartição mais igualitária das instituições do Estado é, a espaços, defendida, mas logo se levantam vozes contrárias – como no caso da transferência do Infarmed para o Porto – dizendo que não é financeiramente adequado. Acontece que o desígnio da descentralização e da eliminação da macrocefalia não tem por fundamento uma eficiência financeira, antes um imperativo de justiça e equidade.

É evidente que a centralização de tudo e todos em Lisboa tem vantagens ao nível das economias de escala – apresar das deseconomias de congestionamento. Se fosse só por imperativos financeiros, bem que devíamos acabar com as Universidades da Madeira, Açores, Trás-os-Montes, Algarve ou Beira Interior – para além de todos os Politécnicos espalhados pelas pequenas cidades – subsidiando os alunos dessas localidades para se deslocarem para Lisboa, Porto ou Coimbra.

Mas o raciocínio tem que ser o inverso. É exactamente porque essas regiões têm carências económicas e populacionais que o Estado deve intervir de modo a ser um agente activo de dinamização desses territórios. E isso, pelo menos no curto prazo, tem custos financeiros não negligenciáveis. Mas a justiça e equidade não são baratas.

Todos os portugueses, independentemente do sítio onde nascem, crescem e trabalham, devem ter direito à saúde, à educação, à justiça, ao entretimento e à cultura em qualidade e quantidade decentes. E é muito através da fixação de pessoas qualificadas e da criação de empregos relevantes por parte do Estado que esse processo se efectiva.

As sedes de entidades reguladoras, de empresas públicas, de fundações estatais, de agências nacionais e europeias, deveriam estar fora de Lisboa – o que iria arrastar muitas empresas e pessoas para fora da grande Lisboa.  Também a subsidiação de entidades culturais devia obedecer a um critério de descentralização, com quotas regionais.

Tudo isso tem custos, sim, mas traria grandes vantagens a médio e longo prazo, quer para se ter um Portugal mais coeso, justo e decente, quer para se evitar o excessivo congestionamento de que hoje Lisboa é vítima.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.