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Quem é a Evergrande e porque está a assustar os mercados mundiais?

A iminência de incumprimento por parte do gigante chinês do imobiliário fez tremer os mercados e há já quem tema um impacto sistémico de elevadas proporções. O Jornal Económico falou com analistas do mercado e com o CEO da Vanguard Properties, que deram a sua visão sobre o que se passou com a Evergrande e que impacto pode ter no mercado.
20 Setembro 2021, 20h05

A iminência de incumprimento por parte do gigante chinês do imobiliário fez tremer os mercados e há já quem tema um impacto sistémico de elevadas proporções. O Jornal Económico falou com analistas do mercado e com o CEO da Vanguard Properties, que deram a sua visão sobre o que se passou com a Evergrande e que impacto pode ter no mercado.

A Evergrande é o segundo maior promotor imobiliário da China em vendas, tendo-se tornado o 122º maior grupo do mundo em receita, de acordo com a lista Fortune Global 500 de 2021. Mas a ascensão meteórica da última década trouxe consigo um recorde mundial de endividamento.

Com uma dívida de 300 mil milhões de dólares (quase uma vez e meia o PIB português) o gigante imobiliário enfrenta uma crise tremenda e depara-se com “dificuldades sem precedentes”. O grupo imobiliário que cresceu muito para lá da compra e venda de imóveis – na última década fez grandes investimentos, comprou uma equipa de futebol (e está a construir o maior estádio do mundo), comprou uma empresa de água engarrafada (que entretanto já foi vendida) e entrou no mercado dos automóveis elétricos – viu-se obrigado a vir a público alertar para o risco de incumprimento da dívida, indicando que está sob “pressão” por falta de liquidez.

As ações da Evergrande, que em 2021 já perderam 80% do valor de mercado, caíram 10,24% esta segunda-feira. Face ao risco de a empresa entrar em default na dívida, as ações da banca europeia tombaram. As ações do Deutsche Bank caíram 7,65%; as do BCP em Lisboa recuaram 4,64%; as do Santander em Espanha também caíram 4,80%. Só para dar alguns exemplos. Ao Jornal Económico, os analistas atribuem diversas causas para o impacto mundial nas ações dos bancos.

O analista de mercados Marco Silva considerou que “não é a questão de a dívida de 300 mil milhões de dólares estar muito espalhada pelos bancos a nível global, mas sim o facto de não ter havido uma posição inequívoca do governo chinês de que vai salvar a empresa, o que abre a porta a um default gigantesco que terá consequências na economia chinesa, confiança no mercado chinês e indiretamente – e, em parte, diretamente – no mercado mundial”.

Marco Silva lembra que há um risco de se tornar num colapso com “efeito de castelo de cartas”. “Seguem-se as seguradoras, como aconteceu com a AIG”, advertiu.

Já o analista Ramiro Loureiro, do Millennium BCP, disse, na sua análise diária de mercados, que “a suceder, [um colapso da Evergrande] poderia ser o maior teste ao sistema financeiro do país nos últimos anos”.

“Nas manchetes internacionais há quem relembre o colapso do Lehman Brothers em 2008, ainda que os analistas não tenham estabelecido um paralelo neste momento”, refere Ramiro Loureiro.

A China Evergrande reconheceu recentemente as dificuldades que atravessa. Além da forte presença no setor imobiliário, a mais preocupante, a Evergrande tem presença noutras áreas, incluindo o futebol. “Há múltiplos fundos de investimento com exposição a títulos do gigante imobiliário e por isso os receios espelham-se por outras regiões do globo”, explica o analista do BCP.

As preocupações sobre uma possível falência do segundo maior grupo imobiliário na China têm pesado no sentimento do mercado. “O colapso da gigante chinesa levaria provavelmente a problemas significativos no setor bancário chinês e poderia desencadear mais incumprimentos no setor imobiliário chinês”, diz por sua vez o analista da XTB, Henrique Tomé.

A grande questão é a dimensão do default e o que isso pode significar na credibilidade do mercado dos promotores imobiliários. Em declarações ao Jornal Económico, José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties, promotora imobiliária do francês Claude Berda, considera que “a crise da Evergrande, de alguma forma, era expectável”. José Cardoso Botelho explica que a empresa registou “um enorme crescimento ao longo dos últimos anos, muito alavancado em crédito bancário e outros, nomeadamente de clientes, com deficiente gestão de riscos”. Era expectável que “pudesse dar lugar a uma crise de liquidez assim que houvesse alguma perturbação, como por exemplo, no custo das matérias-primas, uma pressão nos preços de venda ou algum tipo de intervenção do governo central”.

“Dada a dimensão da economia chinesa, provavelmente esta situação será diluída no sistema. Resta saber se é a ponta de um iceberg ou um caso isolado…. Num ponto poderá ser benéfico para nós, os europeus: a menor procura por matérias-primas. Assim consegue-se uma mais rápida estabilização dos preços do aço, ferro e outras matérias”, defende o CEO da Vanguard Properties.

A Evergrande é o segundo maior grupo imobiliário da China em termos de vendas. Segundo Henrique Tomé, analista XTB, a empresa tem quase 200 mil empregados, mas até 4 milhões de pessoas podem estar ligadas à empresa. Mais de 70 mil investidores têm interesse na empresa, incluindo várias centenas de bancos.

A empresa tem em curso a construção de entre 1 e 1,5 milhões de apartamentos e gere 2,8 mil bairros em mais de 300 cidades. Para além disso, a empresa está também presente nos setores da saúde, produtos de consumo, entretenimento, bem como veículos elétricos.

Antes conhecida como Grupo Hengda, a Evergrande foi fundada em 1996 na cidade de Guangzhou por Xu Jiayin, Está sediada na província de Guangdong, no sul da China, e vende apartamentos principalmente para moradores de alto rendimento. Em 2018, tornou-se a empresa imobiliária mais valiosa do mundo, em termos de valor de mercado.

A holding do grupo está constituída nas Ilhas Cayman e a sua sede está localizada no Excellent Houhai Financial Center, no distrito de Nanshan, em Shenzhen.

Segundo a análise da XTB, “os problemas da Evergrande podem ser justificados com a disponibilidade de empréstimos baratos na China. Devido a isso, os investidores na China envolveram-se extensivamente na especulação no mercado imobiliário, como a compra de apartamentos como forma de investimento”.

“As estimativas conservadoras sugerem que até 18% do PIB chinês pode estar ligado ao mercado imobiliário. Outras previsões afirmam que esta percentagem possa atingir os 25%”, diz Henrique Tomé, da XTB.

A Evergrande tem sido altamente alavancada, mas as medidas recentes das autoridades chinesas tornaram-na incapaz de pagar as suas dívidas. Desde o início do ano, a empresa conseguiu reduzir a sua dívida em cerca de 20%, mas outros tipos de dívidas aumentaram, explica a corretora.

Segundo a XTB, “os empréstimos e obrigações perfazem apenas um quarto” dos 300 mil milhões de dólares da dívida total do gigante chinês. “A parte restante é constituída por compromissos com fornecedores e empreiteiros”, sublinha.

“As obrigações emitidas no estrangeiro valem 20 mil milhões de dólares. Embora a dívida externa seja relativamente pequena, é de notar que a Evergrande é um dos maiores emissores de obrigações de empresas nos mercados emergentes”, refere o analista Henrique Tomé.

O potencial colapso da Evergrande “cria um risco real de incumprimento por parte de outras empresas altamente endividadas”, adianta o analista, lembrando que a Fitch diz que a Evergrande tem de pagar 129 milhões de dólares em juros só em setembro, enquanto que os pagamentos de cupões tinham de ser pagos até ao final de 2021, no montante de 850 milhões de dólares. As obrigações no valor de 7,4 mil milhões de dólares vencem no próximo ano.

 

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