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Quem é László Krasznahorkai, Nobel de Literatura 2025?

O programa do festival literário Folio, cuja 10.ª edição decorre em Óbidos entre 10 e 19 de outubro, tem prevista a presença de László Krasznahorkai, Prémio Nobel de Literatura 2025, no dia do encerramento.
epa12441627 (FILE) – A photo taken on 11 July 2012 shows Hungarian writer Laszlo Krasznahorkai at his home in Pilisszentivan, 20 kms north of Budapest, Hungary. The Swedish Academy honored Laszlo Krasznahorkai with the 2025 Nobel Prize in Literature for his ‘visionary and apocalyptic prose’ on 09 October 2025. EPA/Gyula Czimbal HUNGARY OUT *** Local Caption *** 51948211
10 Outubro 2025, 12h45

Esta quinta-feira, 9 de outubro, a Academia Sueca destacou a “obra convincente e visionária” de László Krasznahorkai, “que, no meio de um terror apocalíptico, reafirma o poder da arte”, distinguindo-o com o Prémio Nobel de Literatura 2025.

Entre a reputação de sucessor de Franz Kafka e “mestre do apocalipse”, a escrita cerebral e sombria de Krasznahorkai tem mantido a sua obra relativamente distante do leitor comum. Mas dele diz o outro Prémio Nobel de Literatura húngaro, Imre Kertész, que é “um consolo metafísico”. Para explicar isso, Kertész fala das frases longas de Krasznahorkai, “que [o] encantam”. Há, porém, quem aprecie a sua profundidade – mais do que as suas longas e elaboradas frases – sobretudo pelos labirintos narrativos que constrói pacientemente.

Os seus parágrafos começam amiúde do ponto de vista de uma personagem diferente da anterior, quebrando por vezes a cronologia. O suspense, a expectativa, estão lá e criam, frequentemente, uma sensação de lentidão que mais não é do que aparente. Acontece o livro ser muito rápido porque os monólogos interiores são muito rápidos. Os diálogos também. Aliás, o leitor não tem um momento de descanso.

László  Krasznahorkai, dito “romancista da decadência”, é um autor multipremiado. Entre outros, recebeu o America Award in Literature em 2014, o Man Booker International Prize em 2015, o Prémio Kossuth, o National Book Award for Translated Literature em 2019, o Austrian State Prize em 2022 e o Prix Formentor em 2024.

Regressamos a Kertész para recordar que, tal como para Krasznahorkai, o fundo da podridão é Auschwitz, depois o fracasso do comunismo e, por último, o autoritarismo de Orbán. Não admira, por isso, que os dois Nobel de Literatura sejam personas non gratas para o poder vigente e tenham vivido, ou vivam, a maior parte da sua vida na Alemanha.

Da Hungria rural aos neonazis e Bach

Nascido em 1954 na pequena cidade de Gyula, no sudeste da Hungria, perto da fronteira com a Roménia, Krasznahorkai descreve no seu primeiro romance um cenário rural semelhante àquele onde passou a infância. “Sátántangó”, publicado em 1985, foi um êxito na Hungria e consagrou o autor.

 

 

Essa exploração teológico-filosófica das profundezas da miséria humana segue a par da reflexão política sobre os destroços da Hungria soviética, a única realidade que o autor conhecia à altura da sua escrita. A trama segue Irimiás – demónio ou messias, trapaceiro ou salvador da aldeia? – que se julgava morto e que dividirá para conquistar. A obra apresenta traços pós-modernistas formais – falta de pontuação, texto corrido sem parágrafos e capítulos estruturados como os passos de um tango, do I ao VI e do VI de volta ao I. “O Tango de Satanás” foi editado pela Antígona, em 2018, com tradução do húngaro de Ernesto Rodrigues.

Em “Herscht 07769” (2021), o autor foca-se na Europa do século XXI e em alguns dos principais conflitos ideológicos que a assolam: a globalização o fascismo, a ecologia e o colapso social decorrentes da clivagem ideológica. O alemão Florian, um gigante meigo visto como o idiota da aldeia, convence-se de que o fim do mundo está próximo. Escreve cartas à chanceler Angela Merkel alertando-a para tal, enquanto se vê envolvido num mistério com o seu chefe neonazi Boss, a sua paixão pelo compositor Johann Sebastian Bach e um grupo de vândalos ligado ao aparecimento misterioso de lobos selvagens.

 

 

A anteceder a narrativa, Krasznahorkai deixa uma mensagem cristalina: “A esperança é um erro”. E lança-se num só fôlego. Para Angela Merkel, Chanceler da República Federal da Alemanha, Willy-Brandt-Strasse 1, 10557 Berlim, foi isto que escreveu no destinatário, e depois Herscht 07769 no habitual canto superior esquerdo do remetente, isto e nada mais, como que para sugerir a natureza confidencial do assunto, e também porque pensou que não valia a pena desperdiçar muitas palavras com uma referência a si próprio no envelope, já que com base no código postal os correios haveriam de direccionar imediatamente a resposta para Kana, ali em Kana logo o encontrariam pelo nome, e no que à substância dizia respeito estava lá tudo no papel de carta meticulosamente dobrado em quatro e posto no seu lugar, tudo pelas suas próprias palavras, começando por a Senhora Chanceler, enquanto douta cientista (…).

Assim arranca a obra “Herscht 07769”, com tradução de João Miguel Henriques, que chega às livrarias a 13 de outubro, com a chancela da Cavalo de Ferro.


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