Esta quinta-feira, 9 de outubro, a Academia Sueca destacou a “obra convincente e visionária” de László Krasznahorkai, “que, no meio de um terror apocalíptico, reafirma o poder da arte”, distinguindo-o com o Prémio Nobel de Literatura 2025.
Entre a reputação de sucessor de Franz Kafka e “mestre do apocalipse”, a escrita cerebral e sombria de Krasznahorkai tem mantido a sua obra relativamente distante do leitor comum. Mas dele diz o outro Prémio Nobel de Literatura húngaro, Imre Kertész, que é “um consolo metafísico”. Para explicar isso, Kertész fala das frases longas de Krasznahorkai, “que [o] encantam”. Há, porém, quem aprecie a sua profundidade – mais do que as suas longas e elaboradas frases – sobretudo pelos labirintos narrativos que constrói pacientemente.
Os seus parágrafos começam amiúde do ponto de vista de uma personagem diferente da anterior, quebrando por vezes a cronologia. O suspense, a expectativa, estão lá e criam, frequentemente, uma sensação de lentidão que mais não é do que aparente. Acontece o livro ser muito rápido porque os monólogos interiores são muito rápidos. Os diálogos também. Aliás, o leitor não tem um momento de descanso.
László Krasznahorkai, dito “romancista da decadência”, é um autor multipremiado. Entre outros, recebeu o America Award in Literature em 2014, o Man Booker International Prize em 2015, o Prémio Kossuth, o National Book Award for Translated Literature em 2019, o Austrian State Prize em 2022 e o Prix Formentor em 2024.
Regressamos a Kertész para recordar que, tal como para Krasznahorkai, o fundo da podridão é Auschwitz, depois o fracasso do comunismo e, por último, o autoritarismo de Orbán. Não admira, por isso, que os dois Nobel de Literatura sejam personas non gratas para o poder vigente e tenham vivido, ou vivam, a maior parte da sua vida na Alemanha.
Da Hungria rural aos neonazis e Bach
Nascido em 1954 na pequena cidade de Gyula, no sudeste da Hungria, perto da fronteira com a Roménia, Krasznahorkai descreve no seu primeiro romance um cenário rural semelhante àquele onde passou a infância. “Sátántangó”, publicado em 1985, foi um êxito na Hungria e consagrou o autor.
Essa exploração teológico-filosófica das profundezas da miséria humana segue a par da reflexão política sobre os destroços da Hungria soviética, a única realidade que o autor conhecia à altura da sua escrita. A trama segue Irimiás – demónio ou messias, trapaceiro ou salvador da aldeia? – que se julgava morto e que dividirá para conquistar. A obra apresenta traços pós-modernistas formais – falta de pontuação, texto corrido sem parágrafos e capítulos estruturados como os passos de um tango, do I ao VI e do VI de volta ao I. “O Tango de Satanás” foi editado pela Antígona, em 2018, com tradução do húngaro de Ernesto Rodrigues.
Em “Herscht 07769” (2021), o autor foca-se na Europa do século XXI e em alguns dos principais conflitos ideológicos que a assolam: a globalização o fascismo, a ecologia e o colapso social decorrentes da clivagem ideológica. O alemão Florian, um gigante meigo visto como o idiota da aldeia, convence-se de que o fim do mundo está próximo. Escreve cartas à chanceler Angela Merkel alertando-a para tal, enquanto se vê envolvido num mistério com o seu chefe neonazi Boss, a sua paixão pelo compositor Johann Sebastian Bach e um grupo de vândalos ligado ao aparecimento misterioso de lobos selvagens.
A anteceder a narrativa, Krasznahorkai deixa uma mensagem cristalina: “A esperança é um erro”. E lança-se num só fôlego. Para Angela Merkel, Chanceler da República Federal da Alemanha, Willy-Brandt-Strasse 1, 10557 Berlim, foi isto que escreveu no destinatário, e depois Herscht 07769 no habitual canto superior esquerdo do remetente, isto e nada mais, como que para sugerir a natureza confidencial do assunto, e também porque pensou que não valia a pena desperdiçar muitas palavras com uma referência a si próprio no envelope, já que com base no código postal os correios haveriam de direccionar imediatamente a resposta para Kana, ali em Kana logo o encontrariam pelo nome, e no que à substância dizia respeito estava lá tudo no papel de carta meticulosamente dobrado em quatro e posto no seu lugar, tudo pelas suas próprias palavras, começando por a Senhora Chanceler, enquanto douta cientista (…).
Assim arranca a obra “Herscht 07769”, com tradução de João Miguel Henriques, que chega às livrarias a 13 de outubro, com a chancela da Cavalo de Ferro.
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