Fala-se muito em défice tarifário mas tenho sempre a sensação que a informação retida pelo cidadão comum não é a correcta. A culpa não será seguramente do cidadão, mas sim de quem a veicula.

Tenho a sensação de que a ideia generalizada é de que este défice apareceu pela mão da EDP e que em muito se deve ao surgimento das renováveis. Sobre a EDP, fica aqui o disclaimer – empresa com a qual não tenho qualquer vínculo a não ser como cliente e que, com toda a certeza, não precisa da minha defesa.

Vamos então por partes que a coisa, no seu formato mais resumido, é fácil de explicar e de ser entendida, tem é de ser dita de forma clara e objectiva.

As tarifas de electricidade são propostas pela ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) e aprovadas pelo Governo. Pretendem, naturalmente, passar para o consumidor o custo de produção da electricidade consumida (custos do sistema incluídos, claro).

Em Outubro de 2007, Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE, propôs um aumento das tarifas (na altura nem existia mercado livre, apenas tarifas reguladas) de 15,7% para os 5,7 milhões de consumidores domésticos. O governo, liderado por José Sócrates, limitou-o a 6%. Estamos a falar de uma diferença de 9,7% que ficam “a descoberto”!

Sócrates é “quem manda” e, em Dezembro desse mesmo ano, Jorge Vasconcelos pede demissão. O interesse do ex-primeiro-ministro não estava, naturalmente, nos consumidores, mas sim nos eleitores. Sendo os mesmos, baralham-se imensas vezes. Podemos pensar na rábula da Ivone Silva, enquanto patroa e empregada. Muitas vezes, os eleitores parecem gostar de magia!

Actualmente assistimos a isso mesmo. Libertam-se uns trocos na remuneração mensal, mais visível e apreciada no final de cada mês, retiram-se muitos mais nos impostos indirectos mas enquanto o consumidor paga, o eleitor fica contente. Já percebemos que quem vota é o eleitor e não o consumidor.

Mas voltemos ao défice tarifário: como a magia é igual ao pai natal, ou seja, não existe, é mera ilusão para alguns, se o preço da electricidade tem de aumentar 15,7% e fica limitado a 6%, alguém vai ter de suportar este diferencial. E alguém vai ter de o pagar.

Quem “suporta” é a EDP Serviço Universal, entidade regulada que fica responsável pela gestão deste diferencial imposto pelo governo. Este diferencial, que representa na realidade uma dívida, tem de ser financiado e pago (com juros, claro, que a banca agradece).

Quem paga? Quem será que paga? O consumidor! O mesmo que ficou satisfeito pelo aumento ter sido de 6% em vez de 15,7%. Assim, paga na mesma, acrescem os juros e “com sorte” ainda põe os filhos a pagar aquilo que já consumiu antes de eles nascerem.

Espero que o primeiro ponto tenha ficado claro: o défice tarifário não é uma inevitabilidade nem é um esquema da EDP… é uma decisão política que nasceu com José Sócrates e que se mantém.

Agora, o segundo ponto: as renováveis. O dito sobrecusto com as renováveis não tem nada a ver com o défice tarifário, que é apenas a diferença (cumulativa) entre o preço que deveria ser assumido na tarifa e aquele que o é – as oscilações anuais estão relacionadas com esta diferença versus o valor que é amortizado em cada ano.

O sobrecusto das renováveis também é pago pelos consumidores – deixem-me abrir aqui um parêntesis para dizer uma coisa muito simples… TUDO no sistema eléctrico nacional é pago pelos consumidores, certo? Mais ainda pelos domésticos. O Estado não paga nada, zero, niente… – mas não através do défice tarifário.

O sobrecusto das renováveis é parte de um bolo a que se chama CIEG (designação que aparece nas facturas), que significa “Custos de Interesse Económico Geral” – é bonito e cabe lá tudo.

Nesta rubrica, estão de facto, entre outros, as renováveis e o défice tarifário, mas também outros sobrecustos, como o da co-geração, das centrais térmicas a carvão ou a gás, das grandes hídricas, o sobrecusto das regiões autónomas (Madeira e Açores) e as rendas pagas aos municípios. Estes CIEG representam cerca de 43% da sua factura.

Destes 43%, o sobrecusto das renováveis para os consumidores domésticos, tem um peso de 56%, ou seja, de cerca de 24% do preço total da electricidade paga pelo consumidor.

Mas se falarmos de consumidores industriais (em média tensão), os CIEG já “só” representam 28% da sua factura e destes, apenas 0,7% são imputados ao sobrecusto das renováveis, ou seja, as renováveis representam 0,2% do preço total da electricidade paga por este tipo de consumidor.

Pois, há mais esta nuance… O sobrecusto das renováveis não é equitativamente distribuído por todos os consumidores, mas sim repartido por escalão de tensão em função do número de clientes desse mesmo escalão. Como os consumidores domésticos são, em número, muitíssimo superiores a qualquer outro conjunto de consumidores e estão todos no mesmo escalão (baixa tensão inferior a 20,7kVA), na realidade são estes quem paga a quase totalidade do dito sobrecusto das renováveis.

A razão para este sobrecusto existir, ou o que penso sobre ele, pode vir a ser o tema de um próximo artigo.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.