Se usarmos óculos de género para olhar os resultados das últimas eleições autárquicas, verificamos sem grande dificuldade um enorme desequilíbrio, dando até a ideia de um país mais e mais governado por homens.

À pergunta “Quem manda aqui?”, os 91% de presidentes de Câmara masculinos responderão: “O homem!”. A realidade é mesmo essa: das 308 autarquias do país, apenas 29 são lideradas por mulheres, menos três do que nas últimas eleições.

É claro que, como bom costume português, podemos colocar as velhas hipóteses.

Primeira: nada nos garante que um país maioritariamente governado por mulheres fosse melhor;

Segunda: ser mulher não é garante da defesa de valores democráticos e de uma governança eficiente. A isto podemos retorquir, olhando à nossa volta, que nada nos mostra que um país governado maioritariamente (de forma esmagadora) por homens seja o ideal. Não, não é. Basta olharmos a abstenção: há uma parte muito significativa da população que não se vê representada nem tampouco identificada.

Mas porque é que, em Portugal, o lugar da mulher na política continua invisibilizado? Ou, quando consegue ter um papel ativo, é muitíssimo mais escrutinado? Bom, talvez a segunda questão responda à primeira, mas não só.

Além de sobre-examinada, a mulher na política é alvo de análises que, ilegitimamente, vão muito além da sua ação política: é-lhe analisada a aparência, o tom de voz – ai da mulher que fale alto, vai de histérica a doida em poucos segundos –, as emoções ou a família – como tem tempo para os filhos? Análises que, claro está, não são necessárias aos homens políticos. Ora essa!

Com muita tristeza o escrevo: somos um país de velhos costumes, somos um país que não se mobiliza tanto quanto devia contra discriminações de género históricas, somos um país tranquilo à sombra do patriarcado, somos um país político de fato e gravata onde mulher não entra. E quando entra, é vilipendiada – cedo ou tarde – para se lembrar que “devia estar em casa a tomar conta dos filhos e dos mais velhos”.

Que país político tão cinzento, resultado – em muito – da ação dos principais partidos, que queimam a entrada de mulheres para os lugares de eleição principal, e, quando permitem, deixam que as cozinhem em lume brando até que a “normalidade” se reponha e os senhores de voz grossa, calmos e disponíveis regressem ao seu palco. Só assim – e nem mesmo assim – consigo perceber como conseguimos ter menos mulheres presidentes de Câmara do que há quatro anos.

Mas, como portugueses ‘bonzinhos’ que somos, dizemos: “Não te enerves com isso, há coisas mais importantes e urgentes com que nos preocuparmos”. E assim continuamos a ignorar que a desigualdade de género é a mais grave e permanente das desigualdades, porque é socialmente aceite e politicamente apagada. Salvo algumas (boas) exceções.

Em resultado: Quem manda aqui? “Eu é que sou o presidente!”, diz o homem.

E nós, mulheres, o que podemos fazer?