Ninguém verdadeiramente desconhecia o problema das nomeações para cargos públicos, não em função da competência dos nomeados, do seu CV, mas com base em ligações partidárias, familiares, de amizade ou simplesmente por cunha de alguém influente.

É uma prática bem conhecida de todos os portugueses e não apenas das pessoas mais próximas dos círculos do poder. Em larga medida, é por causa dessa prática que a denominada classe política tem, junto da população, a imagem de privilegiar os interesses próprios – e o interesse dos seus – em detrimento do bem comum.

Quase todos os políticos nomearam, pediram para nomear, aceitaram nomear ou, no mínimo, viram nomear debaixo do seu nariz pessoas que sabiam estar longe de ser as mais adequadas para servir o interesse público.

Quem não o fez no governo, foi porque nunca lá chegou, mas fê-lo na Assembleia da República, no Parlamento Europeu, nas regiões autónomas, nas autarquias locais ou nalgumas estruturas da administração pública. Nem sequer a Presidência da República tem estado imune a este flagelo.

A atenção, porém, nunca esteve, como agora, focada tão intensamente nas relações familiares. Foram precisos quatro anos de governação PS para, com marido e mulher sentados no conselho de ministros, seguidos mais recentemente de pai e filha, a questão assumir contornos de escândalo público.

O elefante, que sempre esteve no meio da sala sem que ninguém falasse abertamente dele, ficou de repente cor de rosa, mas rapidamente virou laranja, vermelho, azul e amarelo. E é difícil fazer de conta que não se vê um elefante de tantas cores quantas as do arco-íris.

Desde a última remodelação governamental, quase todos os dias se descobriram novos casos, com contornos diferentes, mais ou menos graves, em todos os quadrantes. Um espetáculo deprimente, em que todos têm telhados de vidro, mas não revelam sequer a inteligência de não atirar mais pedras aos telhados já estilhaços do vizinho. Em vez disso, importaria reconhecer os erros, pedir desculpa aos portugueses, e promover a demissão de todos aqueles que nomearam ou foram nomeados em circunstâncias que revelem manifesto favorecimento familiar.

No seu conjunto, estes casos e as reações que desencadearam revelam um sistema político-partidário muito doente, de tal forma enredado na sua própria doença que é incapaz de se regenerar.

A lei pela qual alguns agora clamam, ao mesmo tempo que dizem ser impossível de fazer antes das eleições – a sério, estamos em abril? –, é um remendo que pouco resolve. Como não resolveu o código de conduta que o governo aprovou à pressa, quando estava sob fogo por causa das viagens de alguns dos seus membros, pagas por empresas das respetivas áreas de atuação.

O atual fechamento do sistema político persistirá, com os mesmos partidos, os mesmos interesses, as mesmas bases de recrutamento, e consequentemente os mesmíssimos nomes (próprios e de família). Renovação? Vejam-se os nomes dos cabeças de lista ao Parlamento Europeu! Só a idade dos protagonistas muda. Por isso, com ou sem lei, na próxima esquina, a tentação falará mais alto e mais uma prima qualquer será nomeada.

Ulisses mandou os seus marinheiros amarrarem-no ao mastro, para que não cedesse ao canto das sereias. Mas os senhores deputados, dependentes das respetivas direções partidárias, nem têm a sageza do próprio Ulisses nem fazem nós tão fortes quanto os marinheiros deste.