O Parlamento Europeu chumbou o apoio a missões de salvamento e resgate de refugiados no Mediterrâneo. Entre os 290 votos contra figuram dois de deputados portugueses, do CDS-PP e do PSD, e, por muitas desculpas que apresentem, a verdade é que não há diferenças entre as pessoas que fogem à morte e à miséria. Todas precisam de uma mão que as ajude.
Em 2018, registaram-se cerca de 2.300 mortos ou desaparecidos no Mediterrâneo enquanto tentavam chegar à Europa. Desde 2014, o número de mortes já ultrapassou as 32 mil, segundo a Organização Internacional para as Migrações, que admite que o número real possa ser muito superior. A situação é de tal modo dramática que o Mediterrâneo já foi apelidado de “mar da morte”.
Falar de refugiados é falar de homens, mulheres e crianças que arriscam a vida deslocando-se em condições de extrema precariedade e insegurança, que abandonam o seu país devido a guerras, fome, violações sistemáticas de direitos humanos ou catástrofes naturais. As alterações climáticas estão, de facto, na origem de um elevado fluxo de refugiados e de vagas migratórias, tendo em conta os efeitos devastadores que provocam – desde extremos climáticos como secas prolongadas e cheias, à desertificação dos solos e subia do nível do mar, passando pelo aumento do risco de doenças.
A ONU estima que, em 2050, cerca de 250 milhões de pessoas serão severamente afectadas pelas alterações climáticas. Falamos de pessoas que estão a fugir à morte e que fazem aquilo que qualquer um de nós faria nas mesmas circunstâncias: procuram uma solução para a sua sobrevivência e das suas famílias.
Mas é preciso desmistificar o discurso que diz que a Europa está a ser invadida por refugiados. Está, sim, a ser invadida por discursos de ódio e de medo, que vão criando uma União Europeia fortaleza, desumana e selectiva, que apenas contribui para o crescimento da xenofobia e das forças da extrema-direita. Mas importa ter presente que este flagelo não atinge exclusivamente o continente europeu.
Paralelamente, cai-se na hipocrisia de se criminalizarem as acções humanitárias promovidas por associações e voluntários que, no fundo, fazem o que as instituições europeias e alguns Estados não fazem. Desde 2015, mais de 150 pessoas foram acusadas de crime por auxílio à imigração ilegal. Ora, ilegal e imoral é deixar morrer milhares de pessoas. A União Europeia tem muito a aprender sobre solidariedade e compaixão.
Que mundo é este em que a União Europeia apoia e promove guerras, como no Afeganistão, Líbia ou Síria, ao mesmo tempo que fomenta uma política profundamente desumana no que diz respeito aos refugiados? O Acordo com a Turquia ilustra bem como a UE encara um problema que ela própria ajudou a criar, pagando a um país para que as pessoas não cheguem à Europa.
Que mundo é este em que a União Europeia promove a construção de centros de retenção e vê no drama de milhares de migrantes e refugiados a oportunidade para promover a sua militarização? Quem se revê ainda nesta União Europeia cúmplice e de palavras ocas enquanto milhares de pessoas morrem? Onde estão as suas responsabilidades morais, sociais e políticas?
Não deveriam as políticas das instituições europeias basear-se no respeito pelos direitos humanos, na solidariedade, no combate às causas da imigração em massa e no respeito pela independência dos povos? Não deveria o dinheiro investido pela União Europeia na militarização das fronteiras e em muros ser usado para operações de resgate e para salvar vidas?
A União Europeia tem-se mostrado incapaz e desinteressada em lidar com este problema, e está a falhar repetidamente com os refugiados e migrantes. Cada vez que se afunda um corpo no Mediterrâneo, afundam-se também os valores de solidariedade e de cooperação que a União Europeia muito gosta de apregoar e que, afinal, também precisam de ser salvos.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.