António Horta Osório afirma que “o maior problema de Portugal é o falhanço das elites” e friza a responsabilidade das elites na representação de valores, de exemplos para o país ir na direção correta. Ressalva que as elites não são apenas os gestores.

Quem são as elites? Se é fácil identificar António Guterres, José Manuel Durão Barroso ou António Horta Osório como expoentes da elite política e da elite financeira internacionais, há um exercício por fazer. Utilizando as palavras de Horta Osório, pergunto aos cientistas políticos e sociais: quem são exatamente as nossas elites, que valores representam, que exemplos fornecem, para onde levam Portugal e os portugueses?

António Guterres disse em 2016: “As elites portuguesas não estão à altura do povo que somos”. Durão Barroso disse na mema ocasião que, apesar da simpatia com que os portugueses são caracterizados e de o país ser visto “com respeito em relação à sua História”, é ao mesmo tempo visto como “um país pobre e atrasado, visto com condescendência”, uma população “oscilando entre o complexo de inferioridade e a exaltação nacionalista”.

O verdadeiro retrato de Portugal não são as maravilhosas campanhas de publidade ao turismo, a recordação da gloriosa história imperial, a elevada qualidade da cozinha e do vinho. Os indicadores estatísticos dão o verdadeiro retrato de Portugal, como o índice de Gini do Banco Mundial. Este índice representa a distribuição da riqueza pelos habitantes de cada país e é utlizado como medida da desigualdade. Em 2016, o índice Gini de Portugal era 33.9, um dos mais elevados da Europa. O da Suécia era 27.6.

António Horta Osório elogia a qualidade dos trabalhadores portugueses, reconhecidamente bons em qualquer parte do mundo. Mas lamenta que em Portugal haja poucos bons ou muito bons gestores. São precisos muitos mais para que a economia portuguesa cresça mais do que 2%. Horta Osório alude a falta de ambição e de exigência dos portugueses em geral. Os últimos dados do INE revelam que o desemprego jovem continua muito elevado e que a população empregada diminuiu. Quando já não suportam mais, vão-se embora.

O hiato entre os que detêm qualificação superior e as pessoas com baixos níveis de escolaridade é maior do que nos restantes países. Segundo Tiago Carvalho do Observatório das Desiguladades “a grande maioria dos empresários e dirigentes portugueses têm baixos níveis de escolaridade face ao padrão europeu e apenas ligeiramente mais altos do que os dos indivíduos que empregam”.

Segundo um estudo do Bruegel Institute, embora no índice PISA os portugueses estejam ao nível de, por exemplo, Espanha e Itália, e perto de França ou Reino Unido, já quanto à literacia financeira é um desastre: os portugueses são dos piores da Europa, apenas a Roménia está mais abaixo. A ignorância financeira tem correlação direta com o muito baixo nível de poupança em instituições financeira em que Portugal é, de novo, o penúltimo na Europa. O problema começa na escola que não ensina o que são finanças. É inevitável que o nível de literacia financeira dos gestores portugueses seja igualmente um dos mais baixos da Europa.

Também o economista Nuno Garoupa aponta as elites e o alheamento da sociedade civil como grandes problemas do país. Uma análise dos níveis médios de participação mostra que Portugal apresenta os valores médios mais baixos de participação da Europa do Sul (média de 0,65 em 11 práticas possíveis), com o valor mais alto, também, de não participação (19,4%). Garoupa critica os preconceitos dos políticos, que levam a que as políticas públicas sejam feitas com amadorismo, sem planos nem visão.

Segundo Elísio Estanque, da Universidade de Coimbra, “tradicionalmente considera-se que as elites são aqueles sectores da população que reúnem maiores volumes de riqueza, prestígio e poder. Mais modernamente a análise sociológica considera três critérios principais para aferir o status dos indivíduos: a actividade profissional; o nível educacional; e o rendimento/ propriedade. É claro que cada um destes recursos pode combinar-se de forma variada, o que, de resto, é em si mesmo um critério a ter em conta na análise da estratificação social.” Mas, quanto a mim, esta apreciação não tem em consideração a importância fundamental redes de contactos e de influência.

O sociólogo americano Floyd Hunter (1912-1992) foi ao terreno e estudou em pormenor as relações entre os detentores de poder e os que estão colocados em posições oficiais óbvias. Mapeou as hierarquias e as redes dos detentores de poder – homens de negócios, políticos, religiosos, etc. Hunter está na origem do termo “estrutura de poder”. No seu estudo original (1953), a maioria dos entrevistados considerou que o leader mais importante de Atlanta era o muitas vezes milionário presidente da Coca Cola, mas, porque sendo amigo do Presidente Eisenhower e porque estava demasiado envolvido na política nacional, o melhor homem para dirigir uma nova comissão de política municipal seria o presidente da empresa de eletricidade local.

Enquanto G. William Domhoff (1936), professor de psicologia e sociologia da Universidade da California, defende que o poder político e económico nos EUA está nas mãos de uma classe elitista que detem a propriedade de grandes estruturas geradoras de proveitos, como bancos e corporações, James Burnham (1905-1987) defende que todo o poder funcional está nas mãos de gestores e não de políticos ou homens de negócios, separando propriedade de controle.

O sociólogo, político, cientista político Ralf Dahrendorf (1929-2009), membro dos parlamentos alemão e britânico, afirma que devido ao elevado nível de competência requerido da atividade política, um partido político tende a tornar-se de facto um forncedor de “serviços políticos” na administração pública local e nacional. Durante uma campanha eleitoral cada partido tenta convencer os eleitores que será o melhor gestor dos negócios do Estado. Deste modo, os partidos deveriam ser registados como empresas fornecedoras de serviços, que incluiriam representantes da classe dirigente, enquanto a classe dirigida escolheria a empresa que melhor serviria os seus interesses.

Gaetano Mosca (1858-1941), cientista politico e jornalista italiano que como Vilfredo Pareto e Robert Michels fez parte da Escola Italiana de Elitistas, considera que as elites são uma minoria organizada e as massas uma maioria não organizada. E divide o mundo em dois grupos: a classe dirigente, composta por uma elite e várias sub-elites, e a classe dirigida.

Mosca defende que as elites têm superioridade intelectual, moral e material que é tida em grande estima e com influência. Todavia, em Portugal nada disto é evidente, nada é claro. Com raras exceções, em particular a do Presidente da República, é difícil encontrar role models de superioridade intelectual e moral que incutam estima. E vários dos mais famosos exemplos de superioridade material são-no pelos piores motivos incutindo vergonha e rejeição. Retomando a ideia de António Horta Osório, dificilmente os portugueses conseguirão perceber quem são exatamente as nossas elites, que valores representam, que exemplos fornecem, para onde levam Portugal e os portugueses – os números não deixam antever um bom destino para a classe dirigida.