Uma das discussões interessantes dos tempos atuais, sobretudo do outro lado do Atlântico, é a subida da inflação. A Reserva Federal (Fed) tem descartado a questão por a considerar um fenómeno transitório, um ajuste de níveis, provocado pelo desconfinamento e pela reposição de ritmos de produção e stocks. Ora, diz o ditado galego: “não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem!”
A questão reacendeu-se com o acentuar da dinâmica dos preços e de novas declarações de Powell. Quando a inflação atingiu 5% em termos anuais o mês passado (valor mais alto desde o episódio da Lehman Brothers, há 13 anos) Powell disse não haver razões para “endurecer” a política monetária e subir a taxa de juro. Recorde-se que a Fed compra mensalmente 120 mil milhões de dólares de títulos, perto de meio PIB português, entre os quais 40 em MBS (mortgage backed securities).
As adivinhações baseadas na fed funds rate apontavam para duas subidas de um quarto de ponto dos juros só em 2023. Ora, os preços estão a subir mais depressa que antes da crise de 2008 e o mercado imobiliário americano está em forte expansão (as vendas a aumentar quase 50% num ano e os preços mais de 17%); até as junk bonds têm rendimento real negativo. Powell admitiu que afinal a subida da inflação pode ser mais forte e persistente que antecipado e Bullard, presidente da Fed de St. Louis, considerou que a taxa de juro poderá subir já para o ano.
A bolsa reagiu e o S&P500 caiu quase 2% numa semana. Há oito anos atrás, no taper tantrum, a FED teve que dar o dito por não dito e voltar atrás na reversão do quantitative easing (QE), mas algum dia terá que o fazer: os ativos da Fed aumentaram desde 2008 de um milhão de milhões de dólares para oito milhões de milhões.
Não que haja grande escolha: ou subir as taxas de juro e fazer o unwind do QE, cortando os apoios públicos que mantiveram as empresas em vida no confinamento, com o risco de travar a retoma à nascença – neste contexto, subir a taxa de juro é tirar o prato ao sem-abrigo esfomeado; ou não fazer nada, e poder ter uma inflação colossal.
De caminho não esqueçamos que a inflação funciona como um imposto, torna mais fácil suportar uma dívida pública de mais de 100% do PIB e financiar um défice orçamental histórico.
O futuro é tradicionalmente incerto, hoje ainda mais. A curva de rendimentos dos títulos do Tesouro americanos está mais horizontal, com os rendimentos a 10 anos, que se deveriam aproximar de 2%, a caírem de 1,75% para 1,5%; nos prazos mais baixos, pelo contrário, subiu (a 2 anos, de 0,15% para 0,25%). Nada faz sentido. É quase certo que o VIX (índice de volatilidade) irá aumentar, teremos um verão agitado. E é ter atenção à reunião do Open Market Committee da Fed em julho, e mais ainda ao simpósio de Jackson Hole no fim de agosto, onde a língua oficial é o Fedspeak e em vez de castores havemos de ver raposas.