Nos contos infantis, o lobo é sempre a ameaça, o devorador de avós, assoprador de casas e espreitador sorrateiro das crianças incautas. Também na Comissão Europeia tem vindo a predominar uma perspetiva menos positiva sobre este predador de topo, culminando na alteração do seu estatuto de proteção de estritamente protegido para protegido (esta alteração entra em vigor a 7 de março de 2025).
Mas se a coexistência com o lobo é um desafio, é também uma oportunidade para repensar o equilíbrio entre conservação e desenvolvimento económico.
Por um lado, temos o prejuízo causado aos criadores de gado. Isto inclui as perdas diretas de gado em ataques e as perdas indiretas geradas pela necessidade de implementar medidas preventivas, como cercas elétricas ou cães de guarda. Mas inclui, também, custos mais intangíveis, como o stresse dos animais ou a necessidade de vigilância acrescida. Os subsídios e compensações dificilmente cobrem todas estas dimensões devidamente.
Por outro lado, o lobo, como predador de topo, regula as populações de herbívoros, reduzindo danos em florestas e culturas agrícolas e promovendo a regeneração dos ecossistemas. Além disso, ao manter o equilíbrio natural, minimiza a necessidade de intervenções humanas dispendiosas. O ecoturismo associado à observação de fauna selvagem tem também crescido na Europa, gerando receitas e valorizando os territórios rurais.
A redução do estatuto de proteção parece ignorar estas dimensões. Acresce que, em muitos locais, as populações de lobo já se encontram sob forte pressão. Em Portugal, o lobo-ibérico enfrenta um elevado risco de extinção, com apenas 280 a 300 indivíduos distribuídos em 58 a 60 alcateias, segundo o censo de 2019/2021.
Apesar da revisão do estatuto a nível europeu, o Governo português mantém a proteção rigorosa da espécie. Em janeiro de 2025, anunciou um plano de conservação e recuperação do lobo-ibérico, o Programa Alcateia 2025-2035. O ICNF tem três meses para apresentar a proposta, que será submetida a consulta pública.
Como nos contos, sem o lobo a história fica incompleta. Talvez aqui a moral da história passe por aprender a conviver com o lobo, reconhecendo que ecologia e economia coexistem e que o equilíbrio certo garante um futuro sustentável para todos.