Comprar casa em Portugal, nos dias de hoje, é uma missão difícil e são muitos os fatores que se assumem como um obstáculo para quem quer dar este passo, desde os preços recorde das casas à falta de oferta no mercado imobiliário, passando pelas elevadas taxas de juro no crédito ou até mesmo pelas medidas macroprudenciais do Banco de Portugal.
Ainda assim, parece haver luz ao fundo do túnel para quem, nos últimos anos, enfrentou grandes dificuldades para comprar casa. Não só porque os bancos têm adaptado as respetivas ofertas e campanhas, aplicando taxas fixas (ou mistas) e reduzindo spreads (atualmente, há inclusive bancos que não cobram spread), como também porque o Banco de Portugal reduziu a taxa de stress de 3% para 1,5%, medida que vai tornar mais fácil o acesso ao crédito à habitação.
Tomemos como exemplo uma família com um rendimento total de dois mil euros por mês, sem outros créditos bancários, que pretende contratar um crédito à habitação pelo prazo de 35 anos indexado a uma EURIBOR igual a 4% e com um spread de 1%. Até então, para cumprir o limite da taxa de esforço, esta família conseguiria um financiamento até 140 mil euros, o que corresponderia a uma prestação mensal de cerca de 995 euros. Com o alívio da taxa de stress, esta família já poderá contar com um crédito até 165 mil euros, mantendo o limite da DSTI abaixo dos 50% e com a mesma prestação mensal fictícia de cerca de 995 euros.
Recorde-se que a taxa de stress foi criada no pós-crise 2008, altura em que a excessiva facilidade no acesso ao crédito, a par das elevadas taxas de juro e de desemprego, levaram a inúmeras situações de incumprimento no pagamento. Perante esta conjuntura altamente lesiva para a banca e para os portugueses, o Banco de Portugal criou a taxa de stress que tinha a seguinte premissa: se os rendimentos reduzirem 50% e as taxas de juro aumentarem 3pp o cliente ainda se encontra numa posição financeiramente confortável que lhe permita pagar as restantes despesas? Caso a resposta fosse positiva, existia viabilidade para contrair o crédito habitação
Se na altura esta foi uma medida fundamental para garantir a sustentabilidade financeira da banca, a verdade é que, nos tempos mais recentes, a taxa de stress estava a impedir que muitos portugueses conseguissem aceder a crédito para comprar casa. Desde janeiro de 2023, estima-se que 30% dos processos de crédito à habitação recusados teriam merecido aprovação caso a taxa de stress estivesse fixada em 1,5%, o que indica que esta revisão, embora extremamente positiva, peca por tardia.
Há quem se questione agora se a redução desta taxa pode vir a resultar em novo cenário de incumprimento no futuro, uma reflexão legítima tendo em conta o que sucedeu no passado. Na minha opinião, não. Esta taxa de 1,5% é suficiente para garantir a sustentabilidade da banca e são vários os indícios que apontam nesse sentido.
As taxas de juro tiveram o aumento mais repentino desde que há registo e tudo indica que não aumentarão muito mais. Os últimos aumentos já foram, de resto, mais reduzidos e os sinais do BCE vão no sentido de que as taxas de juro deverão estar perto de atingir o seu pico.
O valor máximo histórico das taxas de juro foi atingido em 2008, quando estas chegaram aos 5,2%. Hoje a EURIBOR ronda os 4%. Significa isso que se aumentasse mais 3pp, estaríamos perante o pior cenário financeiro da história, algo que é completamente improvável.
Por fim, importa relembrar que a subida das taxas de juro no crédito à habitação foi uma das medidas implementadas pelo BCE para contrariar a escalada da inflação. A inflação começa agora a dar sinais de estar a ceder, levando a crer que a EURIBOR acompanhará essa tendência.