Mais de 70% das empresas portuguesas são detidas por uma família. Famílias que representam mais de 50% do trabalho em Portugal, de acordo com a Associação das Empresas Familiares.

A sustentabilidade destas organizações (e de todas as outras…) e a sua sobrevivência saudável geracionalmente depende de vários factores. Todavia, deixar um legado, um bom legado, ou seja, um legado de valor, um benefício, depende de um contexto de base que pode não ser específico ao negócio em si: quais as condições do meio ambiente, do ecossistema em que a empresa desenvolve a sua actividade para a conseguir manter? Haverá água suficiente? Existirá área agrícola disponível para as necessidades? Será o calor compatível com saúde e bem-estar e actividade laboral?

Por vezes, o que não parece dizer-nos respeito diz e o que não parece relacionado está!

A qualidade da nossa vida actual já é influenciada pela crise climática que vivemos. A evidência científica é clara sobre muitos dos impactos futuros para todo o mundo e por isso para cada um de nós, caso não sejam tomadas as decisões individuais e colectivas necessárias para lidarmos com efectividade com esta crise. Mas é precisamente isto que nos deve mover: o facto de muito estar nas nossas mãos, no nosso engenho, no conhecimento científico, na tecnologia e nas opções que tomemos já hoje. Podemos ter algumas certezas e podemos controlar boa parte do que poderá vir a acontecer ao Mundo que deixamos para as gerações futuras.

Deixar um bom legado passa por envolver as pessoas, comunicar com empatia, mobilizando a população para a discussão e expressão do que sentem em relação informação que está disponível sobre as mudanças climáticas que estamos a assistir, permitindo que desenvolvam a sua literacia e competências para agirem.

Esta crise pode ser causadora de stresse e ansiedade intensos, com impacto negativo na saúde mental, mais uma vez, podendo afectar todos, mas não afectando todos por igual. Mas, para além disso, este impacto emocional tem relevância para a forma como conseguimos processar a informação e os enviesamentos a que estamos mais sujeitos. Por exemplo, excesso de imagens catastróficas, números e percentagens de impacto em grande quantidade e mensagens de culpabilização são um cocktail que pode originar defensividade e negação, de modo a reduzir a dissonância entre a imagem que temos de nós próprios e aquela que nos parecem querer imputar, levando-nos a um certo alheamento e afastando-nos de ser parte da solução.

Muitas vezes sentimos que isto é um problema tão grande e tão desafiante que…. não conseguimos sequer respirar. E na verdade, ao mesmo tempo, para muitos já é uma experiência traumática, ao verem as suas terras desparecerem sob o nível do mar ou em vias de isso acontecer. E isto não acontece lá longe. Isto acontece aqui. E quando também acontece lá longe…também nos afecta aqui, neste mundo em que rapidamente se fazem sentir as interdependências e impactos globais. É mesmo connosco, com o nosso bem-estar, com a nossa acção, com as nossas empresas e… será mesmo o nosso legado.

Os líderes políticos vão começar a ter que tomar cada vez mais decisões, muitas delas complexas e com consequências nem sempre benéficas para todos no imediato, na procura de um bem-comum colectivo no futuro. A compreensão das medidas, como aliás ficou bem patente nesta crise pandémica, é crítica para a sua aceitação e implementação. Não é só um pormenor. Mais uma vez, agora numa escala ainda maior e por mais tempo, com mais efeitos transformadores na nossa sociedade, é necessário rentabilizar o contributo da ciência psicológica para aumentarmos as nossas hipóteses de sucesso.

A percepção de risco, os fenómenos de negação como o que referi atrás, a influência dos certos motivos nos nossos processos cognitivos, a forma como nos expressamos emocionalmente, os impactos na nossa saúde mental e no nosso bem-estar, os significados da nossa pertença em termos de territórios ou identidade de grupo e a forma como nos comportamos para reagir a este desafio climático, na prevenção ou na adaptação ao mesmo e aos seus impactos são objecto de estudo da psicologia e devem merecer um incremento de meios para a investigação e para a sua aplicação.

Se assim não for, despejaremos “PRR’s” e “Fit’s for 55” em cima das comunidades, sem a adesão necessária ou sem a eficiência que precisamos na sua implementação. Já não estamos a tempo para isso… e todos somos necessários para um melhor legado às novas e futuras gerações.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.