Apesar dos sucessivos apelos por parte da Comissão Europeia, FMI e agências de ‘rating’, Portugal continua sem lançar qualquer medida de fundo para a resolução do crédito malparado, impedindo uma participação mais ativa do sistema bancário no financiamento às empresas. Os últimos dados do Banco de Portugal referentes a setembro 2016 relevam uma tendência anémica nos financiamentos concedidos às sociedades não financeiras, com o crédito malparado neste segmento a atingir os 13 mil milhões de euros, representando 16,5% do crédito concedido.
Perante estes níveis de incumprimento, os bancos continuam a retrair o financiamento às empresas, muitas vezes independentemente da qualidade dos projetos, não permitindo um relançamento mais efetivo do tecido empresarial. A intenção do governo de António Costa em criar uma solução que ajude os bancos a vender os ativos problemáticos tarda em surgir, com esta demora a estar associada às seguintes situações:
Por um lado, a dinâmica assincrónica dos diferentes bancos, tendo o BPI e o Santander resolvido já grande parte da sua carteira de crédito em risco, apresenta rácios de crédito malparado inferiores à média do setor, e os restantes bancos, a apresentarem ainda créditos em incumprimento por montantes elevados.
Por outro lado, a falta de incentivos para os bancos em vender estes ativos a fundos de ‘private equity’, na medida em que seriam obrigados a reconhecer perdas, originando uma necessidade de aumentar os seus capitais.
O veículo italiano – que tem como objetivo ajudar os bancos locais a reduzir o peso dos ativos tóxicos, denominado, Atlas, em referência à figura da mitologia grega – poderá ser o modelo escolhido pelas autoridades nacionais, dada a sua boa aceitabilidade por parte do mercado e, principalmente, pela sua aprovação por parte da Comissão Europeia, não constituindo qualquer ajuda por parte do Estado.
Este modelo para a resolução do crédito malparado consiste na criação de um fundo, constituído com capital por parte das instituições financeiras nacionais, podendo-se financiar no mercado com garantias do Estado, e que terá como função a compra de créditos malparados por um valor próximo dos 30%, permitindo um retorno esperado aos investidores de 6%.
As principais vantagens deste fundo são a gestão focalizada na recuperação destes ativos por parte de uma equipa independente, permitindo um grau de recuperabilidade superior. Outro fator positivo está relacionado com a possibilidade de os bancos mais frágeis poderem aceder a um mecanismo que lhes permita trocar ativos não rentáveis por liquidez, evitando desta forma medidas mais gravosas de resolução bancária. As garantias do Estado desempenham um papel importante neste veículo, dado que permitem o cumprimento das regras europeias, são remuneradas a preços de mercado, aumentam a eficiência do processo e reduzem o desconto com que estes ativos são transferidos entre entidades.
O principal argumento contra incide na questão do risco para os contribuintes. Um veículo com garantias estatais implica sempre um risco, mas não representa necessariamente um ónus para o contribuinte, na medida em que os ativos que passariam para o veículo estão nos bancos e se algo correr mal num veículo também pode correr mal aos bancos, obrigando a encargos elevados caso tenha de intervir um fundo de resolução. Desta forma, um veículo focado na gestão de ativos e na sua recuperação, muito possivelmente terá uma possibilidade de sucesso maior, pois os bancos estão vocacionados para outro tipo de negócios.
Fernando Pessoa escreveu: “As coisas que a Sorte deu, levou-as ela consigo. Mas as coisas que sou eu, guardei-as todas comigo”. O sistema bancário não precisa de sorte nem que uma recuperação da economia leve a uma retoma da atividade bancária. Necessita, sim, de criar mecanismos que permitam repor a sua rentabilidade, garantindo o financiamento da economia e criando condições para um crescimento sustentado de Portugal.