As sociedades de hoje, nomeadamente as europeias, são marcadas pela diversidade cultural e de origens e pela diversidade dita “étnica” ou “racial”. Trata-se de uma diversidade pluridimensional que continuará a acentuar-se?

Durante milhares de anos, os agrupamentos de humanos tiveram uma dimensão relativamente reduzida e é muito provável que a homogeneidade interna fosse a regra e um princípio organizativo e a diversidade fosse uma coisa totalmente indesejável e disfuncional. A dimensão dos grupos foi-se alargando, da cidade a conjuntos de cidades, de unidades sociais extensas a agrupamentos de unidades, um processo que se expandiu em dimensão e complexidade e foi sendo acompanhado pelo incremento, ainda que lento, da diversidade e pela redução da possibilidade de sociedades totalmente homogéneas.

Viveu-se mais tempo em pequenos agrupamentos do que em grandes comunidades como as cidades, ou como os agrupamentos mais complexos que se seguiram. Por isso é possível que a homogeneidade ainda pareça como mais favorável do que desfavorável ao bem-estar humano e o inverso aconteça com a diversidade que é, porém, inevitável.

1. A diversidade nas sociedades de hoje decorre de muitos fatores, sendo um dos mais importantes os fluxos migratórios que respondem a necessidades dos migrantes, mas têm também subjacentes as necessidades de desenvolvimento dos países, como têm alertado desde há quase vinte anos instâncias internacionais e é agora reiterado no âmbito da estratégia europeia de recuperação económica pós-Covid. A possibilidade de um “Natal sem peru no Reino Unido” é um exemplo anedótico, mas impressivo, da necessidade de imigrantes nos países europeus.

A diversidade inevitável na Europa em consequência da imigração poderá ser vivida numa conflitualidade latente que alterna com conflitos abertos, poderá evoluir para um conflito difuso e permanente, como poderá ser vivida de forma pacífica e enriquecedora, com vantagens para os diferentes setores sociais, tais como o desenvolvimento e o bem-estar individual e coletivo.

Esta última possibilidade só poderá efetivar-se, contudo, se for tornado evidente como as crenças subjacentes às posições anti-imigração, entre as quais as crenças que alimentam o racismo, são disfuncionais para a democracia, o desenvolvimento e uma diversidade social harmoniosa.

Muita da investigação aplicada tem evidenciado como é desajustada a associação entre migrantes e insegurança, migrantes e ameaça ao que se chama identidade europeia ou ainda entre migrantes e crise na Europa. Não são, de facto, os migrantes que abalam os princípios democráticos como vemos acontecer em diversos países europeus, que promovem a violência institucional ou o enfraquecimento do estado social.

A investigação neste domínio tem mostrado, consistentemente e ao longo dos anos, que a oposição à imigração é minoritária nos países europeus, com exceção da generalidade dos países de leste. Apesar de minoritária, a oposição à imigração tem tido um forte impacto na configuração das decisões políticas neste e noutros domínios, bem como na configuração do campo político, como se pode verificar na reemergência da extrema-direita.

Um outro aspeto a realçar é que a oposição à imigração de pessoas percebidas como étnica ou racialmente diferentes é mais elevada do que aquela que é manifestada relativamente a pessoas distas da mesma raça ou etnia. Um claro indicador de que a preferência por sociedades homogéneas permanece e a diversidade é vista com receio e desconfiança.

Pela nossa parte, importa-nos realçar aqui os resultados da investigação que mostram como as crenças racistas são um dos principais fatores que subjazem à expressão da oposição à imigração, à perceção de que os imigrantes constituem uma ameaça à economia, à segurança e à identidade europeia e são caracterizados por uma diferença radical relativamente ao que é considerado o protótipo do europeu.

A reflexão sobre a diversidade e a imigração nas sociedades europeias não pode, pois, ser feita sem uma análise do racismo contemporâneo.

2. Isto quer dizer que o racismo é não só um problema para a democracia, na medida em que é um produto das ideologias autoritárias e legitimadoras das desigualdades sociais, mas é especificamente um potenciador de imagens e estereótipos negativos sobre os grupos sociais percebidos como diferentes que tornam natural a perceção de uma associação entre migrações, diversidade e conflitos sociais.

Estes dados e reflexões têm tornado evidente como se impõe uma análise aprofundada do racismo e das suas consequências nas sociedades europeias contemporâneas e especificamente em Portugal. Um sinal da necessidade de medidas neste domínio foi dado pela Comissão Europeia que criou no corrente ano um plano de ação anti-racismo que envolve as instituições europeias, os Estados-membros, a sociedade civil e as suas organizações.

Nesta linha, Portugal também aprovou um Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação, um primeiro reconhecimento pelas instituições políticas nacionais de que o racismo está inscrito no funcionamento das instituições e nas mentalidades e a sua discussão deverá deixar de ser tabu.

Ou seja, está a emergir a consciência de que a norma legal e social anti-racismo que se desenvolveu após a Segunda Guerra Mundial – que deixou patente até onde pode levar a ideia de que a humanidade se encontra dividida em raças diferentes – não tem vindo a receber o necessário apoio institucional que se manifeste em políticas anti-racismo e pró-igualitárias.

De facto, as crenças que alimentam o racismo mais tradicional assentam na ideia de que a natureza produziu grupos humanos biologicamente diferentes e hierarquizados em função do seu valor, sendo que, por isso, uns são mais humanos do que outros.

Estas crenças estão vivas nas representações coletivas e podem alimentar a formação de um novo racismo biológico. Mais especificamente, nos 22 países europeus inquiridos pelo European Social Survey, a adesão às crenças racistas tradicionais é, em média, de 17%, usando cálculos conservadores, embora com variações muito grandes entre países (entre 3% e 39%).

Portugal apresenta-se nesse estudo, bem como noutros realizados nos últimos quinze anos, como um dos países com valores mais elevados de expressão aberta de racismo. No conjunto, os valores obtidos são baixos apesar de suficientemente elevados para terem eficácia social e política. Esses valores podem mesmo ser vistos como claramente problemáticos se considerarmos que estamos a falar de um espaço cultural onde está viva a memória da Segunda Guerra Mundial, onde a experiência de democracia tem algumas dezenas de anos, a escolaridade e a cultura científica se expandiram e a norma social anti-racismo tem uma larga adesão social.

O racismo mais tradicional de que geralmente falamos expressa-se de forma aberta e está pronto para apoiar ou justificar a discriminação com base na ideia de raça, quer esta se manifeste através de diferenças de cor, religião, etnia ou traços estereotípicos construídos ao longo de séculos. Mas, para lá desta expressão aberta, o racismo manifesta-se hoje ainda de outras formas.

De modo quase invisível está presente nas interações quotidianas, nas práticas sociais e em contextos institucionais como a escola, os tribunais ou as forças de segurança. É um racismo que é capaz de conviver com a norma anti-racismo e está subjacente, em boa medida, ao chamado preconceito racial implícito, automático ou não-consciente, que estudos neste campo revelam ser particularmente elevado em Portugal.

O racismo tem vindo a assumir ainda uma nova expressão particularmente relevante para a relação com a diversidade cultural e que tende a escapar também à norma anti-racista. Trata-se de uma versão sobre a hierarquização dos grupos humanos que não assenta na biologia mas na cultura: as culturas dos “outros” são vistas como inferiores e menos humanas.

Nas sociedades coloniais, o racismo foi fundamental para legitimar o colonialismo como ação civilizadora e a separação, a escravatura e o extermínio como necessários a essa mesma ação. O racismo estava ao serviço de uma suposta causa nobre, embora tenha tido como consequência uma tragédia cujo alcance ainda hoje sofremos.

Nas sociedades contemporâneas, o racismo oferece um modelo para a compreensão da diversidade entre humanos, um sistema de classificação que não parece arbitrário mas razoável e estereótipos vistos como tendo uma aderência quase perfeita à realidade pois, acredita-se, se não fosse assim não teriam durado tanto.

Mas o racismo contemporâneo oferece ainda, e talvez mais importante, um modelo de leitura da realidade em que o “branco” é o ponto de referência, o modelo a partir do qual tudo pode ser avaliado e validado, ou seja, o princípio da dominação. Desta forma, o racismo fornece as bases, ainda que ilusórias, para uma identidade marcada pela autoestima positiva e consequente bem-estar individual e coletivo de quem o partilha.

Esta positividade advém da posição de superioridade percebida, mas também da perceção de generosidade e piedade que estariam subjacentes ao processo civilizador. Estamos perante um fenómeno coletivo de partilha de uma mesma pertença, que reforça a consciência de que se é branco o sentimento de superioridade e a autoestima positiva.

As crenças racistas parecem responder a necessidades de compreensão da realidade e de identidade social. Contudo, no presente como no passado, o que produziram foi destruição e terror. É neste contexto que podemos olhar para o racismo como negação da possibilidade de sociedades virtuosamente diversas. E isto porque o racismo fragmenta os humanos em grupos e os hierarquiza em termos de valor.

3. O caminho para sociedades cada vez mais diversas parece inevitável, mas esse caminho apenas será razoavelmente harmonioso se forem progressivamente implementadas políticas públicas pro-igualitárias, que promovam os direitos e a cidadania de todos os grupos.

Concretamente, por exemplo, a imigração deve estar devidamente enquadrada por políticas públicas de promoção da cidadania, legislação do trabalho que respeite os direitos humanos e medidas de acompanhamento da implementação dessa legislação. Paralelamente, impõe-se a criação de condições para as relações entre os grupos que integram um espaço social diverso, monitorizando as relações sociais informais que conduzem à separação, assimilação ou exclusão. A promoção da diversidade como valor será um bom começo de mudança.