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Racismo persiste em situações de crise. Africanos e asiáticos estão presos na Ucrânia

Durante o fim-de-semana, na imprensa internacional e nas redes sociais, multiplicaram-se os testemunhos de pessoas a serem impedidas de abandonar a Ucrânia para fugir da guerra. Em comum: o facto de não serem brancos. Apesar dos registos, as autoridades ucranianas e polacas afirmam estar a deixar toda a gente passar.
Stringer/Lusa
28 Fevereiro 2022, 22h00

Na sexta-feira, começaram a acumular-se testemunhos, na imprensa internacional e nas redes sociais, de pessoas a serem impedidas de abandonar a Ucrânia para fugir da guerra iniciada pela Rússia. Em comum: o facto de não serem brancos. A cor da pele é motivo para as autoridades não permitirem o embarque em comboios ou autocarros e, pela via da força, deixarem os cidadãos africanos e asiáticos no fim das filas. Ademais, milhares estão presos no país, não se atrevendo a enfrentar o frio, os combates e a incerteza nas fronteiras.

Para além de africanos ou afrodescendentes, também asiáticos estão a ser negados do direito de passagem. “Foram corridos com bastões para se afastarem da parte da frente da fronteira para que passassem os refugiados brancos ucranianos”.

Grande parte das pessoas que estão presas na Ucrânia são estudantes. Segundo a “Reuters”, cidades sitiadas em toda a Ucrânia abrigam dezenas de milhares de estudantes africanos. Juntos, Marrocos, Nigéria e Egito têm mais de 16 mil estudantes no país, de acordo com o Ministério da Educação.

Outros 18 mil são indianos, a maior fatia de estudantes internacionais. O medo dos combates, dos longos  engarrafamentos e do mau tempo fizeram com que se abrigassem em bunkers, metros e caves em vez de irem até às fronteiras. Outros alegam falta de meios, incluindo monetários.

A Índia planeia enviar quatro ministros aos países fronteiriços da Ucrânia, disse uma fonte do governo esta segunda-feira, para ajudar no resgate dos seus cidadãos. Outros meios como autocarros estavam a ser providenciados, segundo a embaixada da Índia na Polónia.

As embaixadas africanas foram alvo de críticas iniciais por não planearem a evacuação. Agora, multiplicam-se as partilhas das contas oficiais governamentais com contactos de apoio para facilitar o resgate de cidadãos que se encontrem nesta situação.

Nas redes sociais, ativistas e estudantes africanos estão a aumentar a conscientização sobre a sua situação usando, no Twitter, a hashtag #AfricansInUkraine, para além de terem criado chats de grupo para organizar a assistência. Segundo o “The Irish Times”, no domingo, um grupo do Telegram para estudantes africanos retidos tinha mais de 3.500 membros.

Quem se aventura em direção às fronteiras, tem uma miríade de desafios pela frente.

Um dos exemplos é de um português. Domingos José da Costa, um jovem cidadão português, está a tentar sair da Ucrânia desde sexta-feira, juntamente com outros colegas, mas as autoridades ucranianas não os deixam passar por serem afrodescendentes, denunciou a mãe, Ana Maria Costa, à RTP esta segunda-feira.

De acordo com a “Aljazeera”, Samuel George, estudante nigeriano disse que conduziu a partir de Kiev porque não quer morrer num “país estrangeiro”.  Ao aproximar-se da fronteira com a Polónia, teve um pequeno acidente rodoviário com um veículo que transportava ucranianos. Então, eles roubaram-no e impediram-no de conduzir. “Eles não são oficiais, policias ou militares. São cidadãos normais que nos impediram, africanos, de dirigir até a fronteira. Eles deixaram os ucranianos passarem, mas não nós”, disse. Ficou a pé: “Não tenho outra opção. Não sei a que distância fica a fronteira”, disse.

Ao “The Independent”, Osarumen, nigeriano pai de três filhos, disse que ele, a sua família e outros imigrantes foram instruídos a desembarcar de um autocarro prestes a cruzar a fronteira no sábado e disseram: “Nenhum negro”. Quando não obedeceram, foram retirados à força. “Quando olho nos olhos daqueles que nos rejeitam, vejo racismo injetado; eles querem salvar-se e estão a perder a sua humanidade no processo”. Atualmente está retido numa estação de comboios em Kiev, tal como milhares de outras pessoas. “Isso não está acontecendo apenas com os negros – mesmo indianos, árabes e sírios”, acrescentou.

De acordo com o jornal britânico, Christian, de 30 anos, recebeu uma chamada de vídeo de um amigo na fronteira de Medyka, onde afirmou ter visto militares ucranianos a impedir centenas de africanos e outros cidadãos internacionais de irem para a Polónia. “Nenhum inglês, polaco, ou negro, disseram ao meu amigo. Trata-se de racismo”, afirmou.

Vinte e quatro estudantes jamaicanos que chegaram no domingo a Lviv de comboio foram forçados a caminhar 20 quilómetros até a Polônia. A ministra dos Negócios Estrangeiros jamaicana, Kamina Smith, disse que eles foram impedidos de embarcar no autocarro que fazia o mesmo percurso.

Um porta-voz da segurança fronteiriça ucraniana, disse que não há tratamento especial para os ucranianos em relação aos estrangeiros, mas que os guardas estão a dar prioridade às famílias com crianças pequenas, idosos e pessoas que precisam de assistência médica. “Não há privilégios para mais ninguém”, disse, segundo o “The Washington Post”.

Nesta linha, o vice-ministro da Justiça da Ucrânia disse no Twitter que “a situação é difícil para todos”: “As pessoas estão à espera por horas para atravessar [as fronteiras]. Esta é uma catástrofe humanitária causada pela agressão russa. As alegações de discriminação são infundadas”, em resposta a uma publicação da jornalista da “BBC” Stephanie Hegarty,  a quem tinha sido dito que os africanos estavam a ser mandados para trás nas fronteiras com a Polónia.

Um porta-voz da segurança fronteiriça polaca disse que a Polónia está a permitir que qualquer pessoa que chegue à fronteira da Ucrânia entre no país. O embaixador do país na Índia, Adam Burakowski, tweetou que “a Polônia está a  permitir a entrada sem visto de todos os estudantes indianos que escapam da agressão russa na Ucrânia”, partilhando fotografias dos abrigos construídos para o efeito.Para além de africanos ou afrodescendentes, também asiáticos estão a ser negados do direito de passagem. “Foram corridos com bastões para se afastarem da parte da frente da fronteira para que passassem os refugiados brancos ucranianos”.

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