[weglot_switcher]

Raize: “Temos de ter ambição para voltar a ativar o mercado de capitais”

A Raize vai ser a primeira empresa a entrar na bolsa desde 2016. O pedido já foi entregue na Euronext, que se irá pronunciar nas próximas semanas.
17 Junho 2018, 20h00

A plataforma crowdfunding Raize deverá tornar-se, até ao verão, na primeira empresa a entrar na bolsa portuguesa desde dezembro de 2016. O pedido de admissão à negociação na Euronext Access já foi entregue. Se não for necessária mais informação, as duas partes poderão acordar a data indicativa para a entrada das ações nas próximas duas semanas. Em entrevista, José Maria Rego (JMR) e Afonso Fuzeta Eça (AFE), dois dos três fundadores da empresa, explicam o processo e como vêem o mercado de capitais em Portugal.

Anunciaram no ano passado que pretendem entrar em bolsa. Como está o processo?

JMR Nos últimos dias entregámos a documentação junto da Euronext para começarem a rever o pedido de admissão à negociação e podermos avançar com o processo. Tem de ser validado e esperamos nas próximas semanas dar início ao processo de subscrição de ações e à subsequente admissão à negociação. Ainda não podemos concretizar o timing porque depende de vários intervenientes. A documentação está a ser neste momento revista pelas equipas técnicas da Euronext Lisbon e Paris.

Como é que vai funcionar a operação? Em que bolsa da Euronext será?

JMR Será uma operação abaixo dos cinco milhões de euros, dirigida a investidores de retalho e institucionais, na Euronext Access.

Que percentagem da empresa vão colocar em bolsa?

AFE Ainda não podemos falar sobre isso… É informação que está no documento informativo e que está a ser validada ainda.

Porquê agora?

AFE Para nós entrar em bolsa é algo natural, ou seja, a continuação de um processo que se iniciou no dia em que iniciámos actividade. Estamos a falar de um negócio financeiro. Na realidade, gerimos um mercado também, portanto existe toda uma lógica de mercado associada à atividade da nossa empresa. Como tal, queremos dar a oportunidade às milhares de pessoas que nos seguem poderem fazer parte da estrutura acionista.

Acreditamos que as empresas devem estar em mercado e na lógica de mercado. Portanto achámos que era a altura ideal para diversificar a nossa base acionista e conseguirmos dar acesso não só a outros investidores institucionais – já temos neste momento investidores institucionais -, mas também alargar a investidores de retalho para que tenham oportunidade de participar no crescimento da Raize nos próximos anos.

Que vantagem esperam do alargamento da base acionista?

Tem sempre a vantagem do acesso ao capital. Ao estarmos cotados, há muito mais fácil acesso ao mercado de capitais. Uma segunda é o carimbo institucional que traz a uma empresa como a nossa que opera no setor financeiro, em que credibilidade e a marca institucional são fatores importantes.

Estão a trabalhar com o banco de investimento Haitong. Já houve interesse de investidores na IPO?

Já. Temos interesse quer de investidores institucionais pela banca de investimento, quer da nossa própria base de investidores. Não investidores diretos, mas de quem usa a Raize numa base diária, que desde que iniciámos este processo que nos contactam regularmente a pedir mais informações para saber como está o processo e quando vai ser a IPO.

Estão preparados para os requisitos de estar em bolsa?

JMR Tudo o que seja informações e reporte, já somos obrigados a fazê-lo porque a empresa em si é regulada pelo Banco de Portugal e, portanto, temos um conjunto de requisitos de funcionamento que superam em muito os requisitos de reporte das sociedades cotadas.

AFE Quando tomámos a decisão deste processo não via desvantagens óbvias. Uma discussão que se tem regularmente sobre o mercado de capitais é sobre as desvantagens porque há o reporte, a transparência e os desafios de governance… Não vemos nada disso como desvantagens. Vemos, sim, como requisitos para a atividade das empresas. As empresas têm de investir em ter boa qualidade de reporte, boas estruturas de governance e em ser transparentes. Podemos é discutir se estão mais adequadas às fases em que as empresas estão. Desde 2016 que temos este enquadramento com o Banco de Portugal. Portanto desde muito cedo na sociedade temos de ter essas coisas todas e é uma coisa muito natural.

Então que desafios antecipam?

JMR O processo em si, de colocação da empresa em bolsa, é um desafio. Isso é algo que, enquanto sociedade e comunidade económica, devemos refletir. É muito difícil para as empresas chegarem à bolsa… Por vários motivos. E não o devia ser porque a capacidade que as empresas têm para crescer mais e mais depressa é evidente. O que é na realidade um grande desafio é colocar as empresas em bolsa. Devíamos talvez pensar como é que se pode agilizar esse processo, entre todos os agentes económicos e reguladores que estão envolvidos.

AFE O número de stakeholders que é preciso alinhar para uma operação destas é muito grande… É um desafio enorme para uma empresa ter que gerir um processo desse género. Estamos a falar de alinhar cinco ou seis stakeholders diferentes. Cada um deles com perspectivas completamente distintas sobre o que é a operação. E ao mesmo tempo não nos esquecermos que há todo um negócio do dia-a-dia que é preciso continuar a gerir e penso que isso faz com que muitas empresas até possam namorar a ideia, mas quando se apercebem do que é o caderno de encargos, que os processos acabem por morrer porque não há força suficiente para os levar para a frente.

Nesse cenário de dificuldade em estar cotado, o vosso caso pode ser um exemplo para outros?

A questão da dificuldade em cativar empresas prende-se com gerir awareness para que as empresas queiram fazer este tipo de operações, não só as pequenas, mas também as médias e as grandes. Há todo um tecido empresarial. Muitas empresas não estão interessadas precisamente por aquilo que são as várias fases e requisitos necessários para entrar em bolsa.

Esperamos que a operação em si possa ajudar mais empresas a ficarem entusiasmadas com a perspetiva de viram a estar cotadas. E há empresas que têm todas as capacidades para estarem cotadas… Seria ótimo se tivesse esse efeito positivo nas outras empresas. Do nosso lado, o que vamos fazer, quando o processo terminar é trabalhar com todos os envolvidos e tentar dar feedback, melhorar o processo e perceber onde é que se pode optimizar. Temos que ter alguma ambição para voltar a ativar o mercado de capitais em Portugal. As pessoas têm focado mais empresas maiores, mas se dermos atenção às mais pequenas, elas poderão também aos poucos ir populando o nosso mercado de capitais.

É por isso que há tantas empresas a olharem para outras formas de financiamento?

AFE Diria que olham para outras formas porque o nosso mercado de capitais, de momento, não é uma alternativa. As pessoas nem se lembram que podem fazer uma operação no mercado de capitais. Deixou de ser prático. Tivemos empresas portuguesas a fazerem em mercados estrangeiros. Há várias formas de financiamento concorrentes, canibalizam-se umas às outras e as empresas acabam por ir à que seja mais simples. Há uma coisa que não podemos desistir enquanto sociedade. Não podemos querer que o nosso país cresça e tenha uma economia forte e desenvolvida, sem ter um mercado de capitais altamente robusto, que funcione, seja líquido e dinâmico. Uma não vive sem a outra. É um desígnio que toda a gente tem de pensar: como é que vamos voltar a ter um mercado de capitais dinâmico como nos anos 80 e 90 e que, infelizmente nos últimos anos deixou de o ser, como todos podemos observar pelo número de cotadas que temos. É preciso fazer a inversão desse caminho e esperemos que ser apenas a primeira pedra de muitas que se venham a colocar.

O objetivo é chegar ao PSI 20?

Claro que sim! E ambição não nos falta… Este é apenas o primeiro passo. Para nós foi sempre uma questão de escolha lógica enquanto empresa. Queremos fazer o nosso crescimento numa lógica de mercado. Tendo a empresa cotada, consideramos que temos mais hipóteses de crescer mais rápido e de forma mais robusta.

[Entrevista publicada originalmente na edição impressa do Jornal Económico de dia 1 de junho]

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.