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Ramón Spaaij: “Os ‘hooligans’ praticam violência como forma de demonstrarem a sua masculinidade tóxica”

Professor de Sociologia do Desporto na Universidade de Amesterdão, Spaaij tem vários trabalhos de investigação publicados sobre “hooliganismo” e violência no futebol. Em entrevista, diz que o caso de Bruno de Carvalho “não é um fenómeno novo” e considera que o ataque ao centro de treinos “não parece enquadrar-se na maior parte das noções legais de terrorismo”.
  • © Jeroen Oerlemans
13 Novembro 2018, 10h08

Há cerca de seis meses, um grupo de membros de uma claque irromperam no centro de treinos do Sporting Clube de Portugal, armados com bastões, cintos, tochas e bombas de fumo, tendo agredido e ferido vários jogadores e o treinador do próprio clube que apoiam. Entretanto foi detido o ex-presidente do clube, Bruno de Carvalho, sob suspeita de envolvimento no ataque, poderá ter sido o “autor moral”. Alguma vez se deparou com um caso similar no âmbito das suas investigações?

A mobilização dos adeptos de claques oficiais pelos presidentes de clubes de futebol para atacar os jogadores não é muito comum, mas não é um novo fenómeno. Houve vários exemplos disso na América Latina, especialmente na Argentina. E também na Europa, em Espanha e Itália. Em alguns casos verificaram-se ligações próximas entre presidentes de clubes e adeptos radicais, como historicamente num clube como o FC Barcelona, quando Joan Gaspart e Josep Lluís Núñez foram presidentes. Eles contrataram adeptos radicais para intimidarem oponentes eleitorais e para fazerem o seu “trabalho sujo”. Noutros clubes, por vezes, ocorreram ataques, intimidações e ameaças contra jogadores. Mas claro que não é uma situação muito comum.

 

Foram detidos 40 suspeitos no total, incluindo o ex-presidente do clube. Poderão ser acusados de crimes de terrorismo. Seria algo inédito no futebol mundial?

Os suspeitos poderão ser acusados de diferentes maneiras. As acusações de terrorismo parecem ser forçadas, porque o ataque ao centro de treinos do Sporting Clube de Portugal não parece enquadrar-se na maior parte das noções legais de terrorismo. Contudo, no passado, as autoridades de Espanha, da Holanda e de outros países lançaram acusações de “filiação em organização criminosa” sobre “hooligans” do futebol. Por exemplo, o grupo Bastión do Atlético de Madrid, depois do homicídio de Aitor Zabaleta em 1998. Na Holanda, essas tentativas falharam sempre até agora, porque os tribunais consideram que esses grupos ou claques, no geral, não ser organizam como a máfia ou uma organização criminosa.

 

Além do “hooliganismo” no futebol europeu, também tem estudado e investigado profusamente sobre o fenómeno do terrorismo. O que é que os “hooligans” têm em comum com os terroristas, como sugeriu em algumas entrevistas recentes?

Importa não levar essa comparação longe demais, mas parece que há algumas similitudes. Primeiramente, um forte sentimento de pertença a um grupo, de identidade, de lealdade e comprometimento com o grupo e o clube. Por outro lado, um forte antagonismo relativamente a outros grupos ou claques, além da polícia. Em segundo lugar, a vontade de usar a violência para demonstrar o seu poder e para resolver ou fazer escalar os seus conflitos. Terceiro, costumam ter líderes carismáticos que os membros do grupo, sobretudo os recém-filiados e mais jovens, admiram e tentam imitar. Mas também observei que os “hooligans” do futebol, em geral, não são tão rigidamente organizados como os terroristas. E há mais divisões e conflitos no interior dos grupos de “hooligans”, são menos coesos.

 

Quais são as principais causas do “hooliganismo”, o que motiva a atração pela violência e porque é que se trata de um submundo quase exclusivamente masculino?

Essa é uma pergunta-chave e difícil. Há múltiplas causas, mas a sua referência ao predomínio masculino é importante. Para muitos “hooligans”, o seu grupo e a sua ligação ao clube providenciam um sentimento de pertença, quase como uma família. Também providencia uma espécie de buzz, isto é, eles vêem a violência como uma forma de excitação que lhes dá prazer. Como um divertimento, uma maneira de experimentar picos emocionais. Mas a um nível mais profundo, os “hooligans” praticam violência como uma forma de demonstrarem a sua masculinidade tóxica, exibirem o seu poder num mundo em que poderão não ter tanto poder, fora do futebol, por exemplo em trabalhos de classe operária.

 

Em Portugal, algumas claques parecem estar infiltradas por movimentos de extrema-direita e têm ligações a atividades criminosas como o tráfico de droga e serviços ilegais de segurança privada. Isto é comum nas claques de outros países europeus?

Sim, vemos isso noutros países. Acontece em Espanha, na Itália e, até certo ponto, na Alemanha, na Holanda e na Inglaterra. Também acontece na Europa de Leste.

 

As suas investigações também incidem sobre o desporto jovem, com enfoque na perda de diversidade, nos fatores de exclusão inerentes à pressão competitiva, a pressão de obterem resultados e vencerem, sobretudo nos principais clubes. Essa exclusão e a perda de diversidade não representam uma negação do espírito desportivo? A obsessão de competir e vencer, a qualquer custo, mesmo quando ainda são miúdos? Que consequências sociais poderá ter esta cultura ultra-competitiva no desporto jovem?

Sim, concordo que esse enfoque na competição e na vitória pode ser uma negação do espírito desportivo original. O desporto sempre foi competitivo, mas quando vencer se torna na componente mais importante, a qualquer custo, afastamo-nos de outros valores importantes do desporto, como o desenvolvimento social, construção de carácter e trabalho de equipa.

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