Por assinalarem o seu vigésimo aniversário, os rankings das escolas foram divulgados com excecional alarido. As novidades foram, infelizmente, minimalistas face aos anos anteriores, acentuando-se o número de colégios privados a ocuparem os lugares cimeiros, em contraste com os desempenhos das escolas públicas, empurradas para o fim da tabela.

Muito se tem escrito sobre as limitações dos rankings, considerados uma forma pobre e simplória de olhar para a performance de cada escola, sendo certo que o atípico 2020, ano ao qual reportam, terá empolado ainda mais o seu enviesamento. É incontornável, no entanto, que têm servido para tornar transparente a dicotomia socioeconómica que se intensificou na sociedade portuguesa e que tem uma expressão inequívoca na sua relação com o sistema de ensino público e privado. Assim, nos últimos 20 anos, as escolas públicas foram sendo progressivamente preteridas sob o pretexto de fraco desempenho.

Esta tendência não deixa de ser paradoxal, especialmente porque o objetivo último dos estudantes é frequentar os melhores cursos superiores, ministrados em universidades públicas. A educação parece transformada numa espécie de parceria público-privada em que os serviços do sector privado são contratados para assegurar o usufruto dos serviços do sector público.

O debate sobre os resultados dos rankings reafirmou a cada vez mais irrefutável desigualdade, desta feita também entre o norte e o sul do país, regressando à ribalta a premência da coesão territorial. Ficou igualmente patente a disparidade gritante que assola os grandes centros urbanos, com Lisboa à cabeça, onde parecem combinar-se os melhores com os piores.

Mas é sobretudo alarmante constatar como os resultados dos rankings têm contribuído para instalar o novo normal: o sector privado como uma escolha de quem pode pagar – a elite económica, numa clivagem com a restante população.

Como agravante, esta nova (a)normalidade estende-se já ao ensino superior. São disso indício o recente curso (privado) de medicina na Universidade Católica cujo preço total ascende a cerca de 100000 euros, ou os valores de propinas de mestrados de universidades públicas, em alguns casos próximos de 20000 euros. É a mesma lógica transposta para outro patamar: com maiores recursos financeiros adquire-se a formação ajustada ao acesso aos melhores empregos.

A sociedade portuguesa foi capturada pela ideia de que a formação (da elite) é cara, mas não inalcançável, é tudo uma questão de estar disposto a (e ser capaz de) pagar o seu preço. O mérito foi convertido numa equação financeira.

Até aqui, a educação foi encarada como um veículo de correção da desigualdade. A escola pública tem tido um papel decisivo nesta matéria, como se atesta, por exemplo, pela redução da taxa de abandono escolar precoce em Portugal. Quando a educação passa a ser jogada como uma cartada de diferenciação individual, decidida pela capacidade financeira de cada família, está-se a evoluir para um terreno perigoso.

O primado do ganhe mérito quem puder tem o efeito de aplicar o princípio da exclusão ao ensino, sendo sobretudo gravoso quando afeta a escolaridade obrigatória, condicionando o acesso dos estudantes a instrução superior. A prazo, redundará na exclusão de uma larga parcela da população, potencialmente dotada e motivada, do acesso a formação superior e a postos de trabalho para as quais terá apetência e vocação, por não ter meios económicos para subir esta escadaria social.

O resultado serão custos globais elevados: para além de perdas económicas significativas pela diminuição da produtividade nacional, será socialmente fraturante, fazendo proliferar o número de descontentes que se predisporão a engrossar a ala dos extremismos políticos, com custos sociais inegáveis. Esta é, portanto, uma escolha social simultaneamente perversa e autodestrutiva.

Tolerar a resolução individual de um problema que é coletivo – a educação de um país, contribuirá também para que, mais cedo ou mais tarde, todos se procurem desvincular de solucioná-lo, abrindo o caminho para a defesa da redução do financiamento público da educação.

A grande virtude dos rankings é assim exibir quão urgente é repor a imagem de qualidade do ensino público para melhor servir o interesse coletivo. A educação pública tem que ser verdadeiramente para todos e, por essa via, um fator de correção de assimetrias económicas e sociais. Tal exige apostar na sua valorização, impedindo que se desenvolvam, em paralelo, alternativas incentivadoras de distinção económica e social. Travar a aceleração de clivagens económicas hoje é evitar o desassossego social e político futuro.