A Constituição Portuguesa, mesmo depois de sete revisões, continua a ser uma das mais avançadas no que concerne à Economia Social. De facto, a leitura do artigo 82.º permite identificar que coexistem em Portugal três setores de propriedade dos meios de produção: público, privado e cooperativo/social.

O setor cooperativo e social engloba várias modalidades de associação, sendo que a alínea d) do ponto 4 identifica “os meios de produção possuídos e geridos por pessoas coletivas, sem carácter lucrativo, que tenham como principal objetivo a solidariedade social”.

A importância que a Constituição atribui ao setor social pode ser explicada pelo reconhecimento público do valor do trabalho voluntário, embora não deixe também de apontar para a incapacidade de o Estado prover aquilo a que os cidadãos têm direito.

A participação pro bono é socialmente valorizada. Por isso, não admira que cerca de um terço dos atuais deputados exerçam cargos sociais em associações sem fins lucrativos. Tal como não causa perplexidade que os eleitos do Poder Local ocupem cargos em instituições de solidariedade social das respetivas freguesias e concelhos.

É uma relação simbiótica, passível de trazer benefício a ambas as partes, embora nenhuma delas dependa total ou exclusivamente desse relacionamento. As associações ganham credibilidade e mediatismo quando figuras públicas integram os seus órgãos sociais. Quanto às personalidades que aceitam dar o rosto por um projeto solidário sabem que podem aumentar a auréola de empatia com os seus concidadãos. Num caso e no outro trata-se de um capital que poderá valer juros elevados, por mais forte que seja o altruísmo.

O problema surge quando essas figuras públicas, por falta de tempo e por fazerem fé nos restantes corpos sociais, baixam a guarda e aprovam planos de atividades e relatórios de contas que não leram com a atenção devida. Ou quando funcionam como uma espécie de facilitadores.

Comportamento próprio de quem se esqueceu de ler Santo Agostinho no que concerne à natureza humana. Dizia o estagirista que o homem era dominado por três tendências insaciáveis que o levavam a pecar: a cupidez ou amor pelos bens materiais, a paixão pelo poder e o desejo sexual.

Aquilo que já é conhecido do caso Raríssimas parece inserir-se, grosso modo, nesse âmbito. De facto, a luta – certamente prolongada e difícil – para erguer a associação não foi suficiente para controlar as tendências que levavam Santo Agostinho a ter uma visão pessimista do homem.

Neste processo já é inquestionável que a vigilância interna não funcionou. Quanto à externa, a situação ainda não está totalmente clarificada, sendo aconselhável que este caso tenha consequências não apenas a nível da associação cuja gestão está em causa.

A Economia Social só será salvaguardada se houver uma inspeção sistemática e bem estruturada. Quaisquer que sejam as personalidades que integram os órgãos sociais das associações. A cor política não importa. O exercício é de cidadania.

Os reais destinatários da solidariedade agradecem.