Aproximava-se o Inverno de 2015 e as vozes dos media, fazendo eco da opinião pública internacional, alertavam para a necessidade urgente de serem tomadas medidas relativas ao drama dos refugiados. As cimeiras multiplicavam-se, as imagens não paravam de nos chocar, implementavam-se programas, organizavam-se fóruns, surgiam ONG… Mas tudo o que chegou à praia foi um corpo de criança vestido de encarnado e a espuma das vontades volatilizadas.
Um ano inteiro, novo Inverno e a mesma situação, agravada pelas inúmeras vagas que não param de chegar aos campos. O último relatório “Tendências Globais” (Global Trends) do ACNUR sobre população forçada a deslocar-se em 2015, dá conta de um total de 65,3 milhões de pessoas. Para termos uma ideia mais concreta desta realidade, o ACNUR esclarece: 1 em cada 113 pessoas no mundo é deslocada, refugiada ou solicitante de asilo. É um número assustador, mas não passa disso. Confrontados apenas com números, gráficos e estatísticas fica-se protegido dos olhares, dos cheiros, das vozes, dos gritos, do horror, da fome, do frio, do desespero. Aos gabinetes de ar condicionado não chega a verdadeira dimensão da miséria humana e é possível continuar a delinear projectos inócuos e a fazer conferências de imprensa com ar compungido e empenhado. Entretanto, nos campos, perdeu-se todo o controlo externo. As mafias comandam aquela sociedade forjada no desespero e a radicalização é fácil. O crime organizado anda à solta e impune enquanto o Inverno vai fazendo vítimas.
As últimas notícias dão conta da inflexão da Alemanha da Sra. Merkel relativamente à sua politica de imigração, forçada pelas sondagens que a ameaçam de derrota nas urnas. A Europa, a reboque das políticas “trumpistas” de imigração, começa agora a falar da necessidade de resolução dos conflitos e de uma maior cooperação com os países de origem das vagas de deslocados para que estes possam retornar às suas casas. Política certa, momento errado!
Durante anos, muitas foram as vozes que alertaram para a necessidade de resoluções de carácter pacífico e diplomático junto de países em crise. Para a urgência de uma maior e mais adequada distribuição de riqueza e de uma cooperação mais estreita entre os países ricos e os seus antípodas. Em vão. Os interesses económicos e os grandes lobbies falaram mais alto e apelidaram de utopistas os que clamavam que uma tal situação se tornaria explosiva mais dia menos dia. Hoje é já esse dia! O retorno será lento, se é que algum dia terá lugar, e o barril de pólvora às portas da Europa só tende a crescer. O rastilho, esse, poderá vir a ser ateado pela França.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.