De acordo com o ponto 3 do artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, incumbe ao Estado adotar “uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria”.

A realidade, no entanto, parece ser outra. Uma análise divulgada em fevereiro pelo jornal “Público” indica que, em Lisboa, a mediana da renda mensal de um alojamento tipo (T2) cobre 58% da mediana do rendimento mensal de um agregado familiar tipo (casal com um filho). Este número encontra-se manifestamente acima do valor recomendado, que se situa entre os 30% e os 40%.

Vários têm sido os fatores apontados como estando na raiz deste problema. O aumento exponencial do número de turistas e a desregulação do mercado de arrendamento de curto prazo levada a cabo em 2014 parecem ser as causas mais consensuais.

Na verdade, os números mostram que em certas zonas da cidade, como Castelo, Alfama e Mouraria, o número de fogos habitacionais afetos ao alojamento local constitui cerca de 40% do total de fogos disponíveis e, apesar da Airbnb se recusar a divulgar dados, fontes não oficiais avançam que em Lisboa, atualmente, 63% dos anúncios referentes a propriedades alugadas por inteiro na plataforma são colocados por proprietários que possuem múltiplos alojamentos listados. Ou seja, o arrendamento de curta duração já não aparenta ser uma oportunidade que surge, mas sim uma oportunidade que é ativamente procurada pelos proprietários de imóveis.

Não obstante a importância da reabilitação urbana motivada pela proliferação do alojamento local, a verdade é que, se enquanto sociedade (e de um ponto de vista normativo) diferenciarmos a utilidade que um imóvel tem enquanto habitação da utilidade que tem enquanto investimento, estes números são preocupantes. Outros aspetos, como a atribuição de Vistos Gold e os custos de financiamento historicamente baixos, também terão tido impacto na tendência atual do mercado imobiliário em Portugal.

Independentemente do que desencadeia este processo, a verdade é que dele podem decorrer várias consequências adversas a médio-longo prazo, nomeadamente o risco de aumento da segregação habitacional (e as consequentes alterações a nível de composição socioeconómica das zonas afetadas) e da pressão demográfica sobre um país cuja situação já é, por si só, alarmante. Ou seja, mais que dar resposta a problemas de curto prazo, torna-se imperativo evitar adversidades que, embora não sejam sentidas no imediato, poderão ser irreversíveis.

Aquela que foi certamente a proposta mais mediática com vista a corrigir a situação consistiu na criação de áreas de contenção de alojamento local, tendo sido implementada a proibição de novos registos de imóveis afetos a este tipo de exploração em zonas da cidade caracterizadas pela saturação do arrendamento de curto prazo. No entanto, a estrutura legal da reforma, que deu dois meses de avanço aos proprietários dos imóveis abrangidos pela suspensão, permitiu que os mesmos se antecipassem à lei, mitigando os efeitos (desejados) da última.

Por muito que a análise empírica aponte para o sucesso deste tipo de regulamentação no que diz respeito a conseguir aliviar os custos relacionados com a habitação, nomeadamente ao provocar alterações a nível da oferta que se traduzem no aumento do número de alojamentos disponibilizados no mercado de longa duração em detrimento do mercado de curta duração, a verdade é que, no caso de Lisboa, a ação tomada poderá ter valido mais pela intenção que propriamente pelos resultados.

Ora, dada a teimosia deste flagelo que insiste em não desaparecer, o próximo trunfo tem por nome “Renda Segura”. Com esta iniciativa, a câmara pretende arrendar imóveis (com especial foco nos que estão afetos ao alojamento local) abaixo do valor de mercado, a troco de benefícios fiscais e da eliminação do risco de incumprimento para os respetivos proprietários. Os mesmos imóveis serão depois subarrendados às famílias que, não conseguindo pagar o valor de mercado, pagarão um valor de acordo com o seu rendimento líquido.

No entanto, o primeiro concurso reuniu 3.170 inquilinos para 120 casas, o que implica (para já) que a oferta representa apenas 4% do total de candidaturas. Logo, independentemente da eventual viabilidade económica gerada por esta medida a nível dos incentivos que possam ser criados, o programa parece esbarrar nos números, que sugerem uma solução residual para um problema generalizado. Se tal se verificar, só nos resta esperar pela próxima ideia.

De uma forma geral, o país foi rápido a perceber os benefícios do alojamento local e a promover a sua atividade de forma a retirar benefícios da mesma. No entanto, essa mesma rapidez parece ter faltado na hora de verificar que o crescimento se estava a tornar insustentável. Dado que não soubemos prevenir, só nos resta mesmo remediar.

 

O artigo exposto resulta da parceria entre o Jornal Económico e o Nova Economics Club, o grupo de estudantes de Economia da Nova School of Business and Economics.