Já há muitos anos que não pensava no poema “O Sentimento dum Ocidental” de Cesário Verde, uma evocação vibrante da cidade de Lisboa por um poeta conhecido por “não caber em si” e que expõe um retrato realista do enorme enxame humano trabalhador que sustenta a cidade e faz pulsar as suas veias. O frenesim urbano pulula nos versos Vazam-se os arsenais e as oficinas;/ Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;/ E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,/ Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Talvez o poema me tenha assomado à memória precisamente porque, tantas décadas depois, nada fazia prever que seria possível suspender cidades por todo o mundo e roubá-las desse mesmo frenesim. Lisboa já não é a cidade do poeta Cesário Verde, está transformada, embora a sua realidade não seja menos dura ou cruel, apenas mudaram as condições em que se opera essa crueldade.

Num passeio por uma das principais artérias no centro de Lisboa, na freguesia das Avenidas Novas, próximo do meu local de trabalho, a vida costumava assumir proporções exuberantes tal era a circulação de pessoas, carros, estafetas, autocarros e hoje sabemos como esse bulício era extremamente reconfortante, ainda que desgastante.

Há cerca de um ano, o primeiro confinamento veio tão abrupto e inesperado que muitos sentiram medo e incerteza, mas também o impacto de uma pausa nas suas vidas caóticas. De súbito, o tempo tinha de ser preenchido de formas diferentes ou de uma forma mais adaptada à realidade de uma casa. Talvez porque Portugal confinara na altura certa, não sentiu a angústia da pandemia de uma forma tão aguda como viria a sentir na terceira vaga.

Um ano depois, as mensagens que recebo de amigos são de pessimismo, alguma alienação ou extrema ansiedade. Muitos admitem que este confinamento está a ser mais difícil em termos mentais. Com a Covid-19 a cercar-nos e a tomar-nos de assalto em janeiro com uma força brutal, o futuro tornou-se uma névoa, uma indefinição, um pensamento que só traz mais angústia e pouca esperança. Muitos irão sair do presente confinamento para condições de retrocesso e sobrevivência.

A prudência aconselha as autoridades a não dar demasiadas expectativas aos portugueses relativamente ao fim do estado de emergência, mas um plano de desconfinamento gradual, à semelhança do que foi realizado por outros países, pode ter a vantagem de retirar os portugueses do presente estado letárgico.

Após quatro meses de restrições de circulação e estados de emergência sucessivos, pede-se mais esperança. O plano de vacinação avança a cada dia que passa, mesmo num contexto de escassez, e há um Plano de Recuperação e Resiliência apresentado pelo Governo que veio reforçar os seus objetivos nas áreas de transição energética e ambiental, embora ainda demasiado omisso e abstrato. Mas não é suficiente.

E voltamos de novo à questão da comunicação, o eterno calcanhar de Aquiles da gestão pandémica portuguesa. Mais do que nunca, precisamos de relançar a esperança com as mensagens certas, que devolvam o foco e o otimismo. Um país prostrado não consegue encarar os desafios que tem pela frente se não encontrar o espírito certo para enfrentar o novo mundo pós-pandémico.