Saída da visibilidade mediática – muito pela própria fadiga do tema – a pandemia, embora ainda com níveis não desprezíveis, deu lugar de destaque ao eclodir da invasão da Ucrânia pela Rússia, com todo o cortejo de destruição, desumanidades e “crimes de guerra” impensáveis numa Europa do século XXI.
Simultaneamente a todo o conjunto de consequências nefastas para as economias, a começar pelo acelerar do processo de inflação nos bens energéticos e nos produtos alimentares de base, os quais, por sua vez, têm já contagiado a alta de preços nos mais diversos setores. Assim, os bancos centrais têm sido obrigados a tomar medidas restritivas, com subidas das taxas de juro de referência, facto que ocorreu por parte do Banco Central Europeu em 21 Julho, com uma subida de 50 pontos base, mais musculada do que a que se previa.
Mas no contexto actual, de crise energética, emerge como factor fulcral das economias ocidentais a questão da procura de um mix minimamente adequado no que concerne às respectivas fontes de abastecimento. Questão de fundo cuja superação demorará bastante tempo, sem deixar de ter em conta, dentro do possível, as metas consensualizadas para a respectiva transição.
Pois bem, incertezas no desenrolar da guerra e nos seus efeitos geopolíticos (provável gestação de uma nova ordem mundial), no processo inflaccionista agora agravado e subsequentes medidas pró-recessivas, na escassez de bens alimentares básicos, na procura atrás referida de um mix adequado quanto às fontes de energia e – não esquecer – na evolução da pandemia (pelos vistos ainda não podemos catalogar a doença de endémica) constituem, pelo menos, macro factos transversais globais com efeitos potencialmente nefastos. E daí, como reagirão os sistemas políticos vigentes?
Por cá somos – o país – também vítimas dos referidos factos, e como na altura tivemos de tomar fortes medidas restritivas para combater a pandemia (1ª fase), também agora o Governo vai tomando medidas de combate urgente à evolução dos preços, designadamente dos custos energéticos e dos produtos alimentares. Medidas que, dada a escassez de recursos na nossa economia, serão sempre insuficientes.
É neste contexto, e equacionando o futuro, que a gestão política – agora com maioria absoluta – tem que providenciar os necessários equilíbrios, salvaguardando, por um lado, os problemas das famílias (baixos salários, baixas pensões, peso relevante da pobreza) e, por outro, criando um ambiente que estimule de facto a iniciativa empresarial, pois são as empresas (será fundamental a captação do investimento estrangeiro com valor acrescentado) os agentes que criarão riqueza futura capaz de suportar um crescimento ambicioso, o qual é absolutamente necessário se se quiser melhorar a qualidade do Estado Social.
Para tal, temos que estar conscientes que, para além de criação de mais riqueza, é preciso com urgência repensar modelos de organização e de gestão no sector público, que muito têm contribuído para o aparecimento de perturbações graves – como é o caso, entre outros, das urgências hospitalares de obstetrícia no SNS – e que precisam de profundas remodelações não compatíveis com soluções pontuais de apenas pôr dinheiro em cima dos problemas.
No conjunto da Administração Publica – e até pelos problemas estruturais cujo agravamento se antevê em diversos sectores, como por exemplo a já prevista falta de professores – torna-se urgente uma redefinição estratégica do seu âmbito, dos seus fins e modos de gestão. Antes que se avance – se for caso disso – para qualquer processo de regionalização.
Mas nunca é demais referir que subsiste um “cutelo” sobre a Administração Pública (governos incluídos, claro), e também sobre o sector privado empresarial expresso nesta simples questão: porque é que um país que há mais de 30 anos beneficia de “milhões” de fundos comunitários não foi capaz de crescer economicamente e atenuar desigualdades sociais conforme seria de exigir? Dá para pensar mas não para resignar!
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.