Numa altura em que o mundo está mais belicoso, se fecha e se torna mais pequeno, em que se cortam estradas, constroem muros e se reforçam fronteiras, quando o antagonismo se afirma como primeira opção e a intolerância face à diferença se torna banal, é preciso identificar e cultivar referências – porque há muito poucas – que evitem que sejamos levados pela enxurrada.
O Papa é o líder espiritual da maior nação da Terra, a dos cristãos, fala para quase um terço da população mundial e é uma referência, por natureza, mas Francisco tornou-se mais do que isso, transcendeu as religiões e procurou chegar às pessoas, aos cidadãos anónimos, independentemente das crenças.
Era real o epíteto de que este era um homem para o povo. Felizmente que assim foi, porque nestes 12 anos de pontificado atravessámos tempestades económicas e financeiras, uma crise global de saúde pública, conflitos armados de grande escala e a crescente tensão entre os agentes internacionais, com fraturas extensas. Foi muito necessário um farol temperado, mas inflexível na justeza, uma presença esclarecida, sensata, porque tudo o resto parecia fora de controlo. Mesmo na igreja, foram salutares os passos dados de inclusão – das mulheres, dos mais frágeis – para que fosse de todos, como pregava, lembrando que existe pelas ideias e pela vivência, não por tudo o resto.
Só que o turbilhão não cessou, mantém-se, e deixou de existir este porto seguro destes tempos. Saberemos, dentro de semanas, se este período foi apenas um episódio esporádico, varrido por abordagens mais sectárias, ou antes uma laje concreta, colocada num caminho que continuará a ser construído. Este mundo continua a necessitar de um Papa do povo.