As touradas são práticas culturais enraizadas em Portugal, mas o sofrimento dos touros é inaceitável numa sociedade civilizada. Penso que podemos chegar a um meio termo de touradas ‘sem sangue’ que seja aceite pela larga maioria dos portugueses, como se faz noutros países e até no nosso, nos Açores.

Para os defensores das touradas tradicionais, elas são arte e tradição, exaltando a coragem e a ligação entre homem e animal, bem como o seu impacto económico e turístico, sobretudo em regiões rurais. Os opositores denunciam o sofrimento animal, intolerável numa sociedade desenvolvida.

Aceito os argumentos dos dois lados e concordo com um referendo nesta matéria. O que me faz sentido não é rejeitar as touradas em absoluto, como propôs o PAN e o Parlamento rejeitou, mas sim referendar que apenas sejam legalmente aceites, via licenciamento, formas de ‘tourada sem sangue’ que protejam os interesses culturais e económicos das regiões sem gerar sofrimento nos touros. Tal é possível:

  • Nos Açores, é tradicional a ‘tourada à corda’, em que o touro é solto preso por uma corda e controlado por homens.
  • Nos EUA, em comunidades portuguesas (como na Califórnia), há versões de touradas sem sangue que respeitam as leis e regulamentos locais, com realce para as ‘touradas com velcro’, em que as bandarilhas (sem ponta) se ‘colam’ ao velcro colocado no touro.
  • No Canadá, onde é proibido por lei ferir os touros, as comunidades portuguesas (sobretudo no Ontário) adaptaram-se e praticam a ‘tourada à corda’ e a ‘tourada com velcro’.
  • Em Espanha, nas ilhas Canárias, as touradas tradicionais são proibidas, mas outras formas de interação com touros sem os ferir são permitidas, seguindo as regulamentações locais.
  • Em França, há regiões com tradições taurinas, como a Camarga, onde os participantes tentam remover ornamentos dos chifres dos touros sem os ferir.

Devemos evoluir para soluções sensatas como essas, garantindo a segurança dos animais, mas também das pessoas. Porém, por cá geram resistências fundamentalistas dos dois lados. Os ‘puristas’ não aceitam formas além das tradicionais (em que o touro pode ser ferido ou até morto) e os defensores mais radicais dos animais não aceitam qualquer forma de ‘stress’ nos touros – tal teria de ser avaliado cientificamente e comparado com uma situação sem touradas, com touros ao abandono.

Se o Parlamento recolocar o IVA a 6% nas touradas para as equiparar aos demais espetáculos culturais, como parece irá suceder, também deveria viabilizar um referendo para apenas sejam legais as touradas ‘sem sangue’, como defendo. ‘Cultura’ não é sofrimento!

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