Remonta ao século XIX um aceso e profundo debate doutrinal por parte dos nossos doutrinadores no que tange a vexata quaestio do cálculo do montante da indemnização, em caso de resolução contratual. Particular relevo se tem dado entre nós à análise da questão sobre o prisma da admissibilidade, ou não, da cumulação do instituto da resolução com a indemnização do credor cumpridor, pelo interesse no cumprimento (o interesse contratual positivo).

Quer a doutrina, quer os Tribunais, se têm debruçado aturadamente, com vista a saber qual a medida do dever de indemnizar, nas situações em que a parte cumpridora de um contrato bilateral, sinalagmático e oneroso, opta por resolvê-lo por se ter verificado a hipótese normativa do artigo 801.º, n.º 2 do Código Civil.

A primeira e principal conclusão que podemos retirar é que a jurisprudência e a doutrina têm laborado num erro ao não admitir a conciliação da indemnização pelo interesse positivo e a resolução, mas mais relevante do que isso, é evidenciar que acreditamos firmemente que este equívoco terá a sua génese numa determinada conceção do instituto da resolução contratual.

Os tempos que ora vivemos são, sem margem para quaisquer dúvidas, tempos com que não contávamos e não há contrato que se possa apartar, mesmo no que contende com a execução do respetivo programa negocial, da concreta realidade histórica que serviu de pano de fundo à elaboração do seu clausulado.

E parece, igualmente, ser fácil compreender que o quadro de crise sanitária que enfrentamos, provocado pelo alastramento a vários pontos do globo da doença COVID 19, provocada por um tipo de corona vírus (o Sars Cov 2), vai introduzir uma alteração superveniente das circunstâncias, de acordo com as quais diversos agentes económicos configuraram os seus contratos, antes do aparecimento desta pandemia.

Assim, aquela que parecia uma realidade historicamente remota, já relegada para relatos quase – positivamente – medievais volta a recuperar protagonismo pleno, no dealbar do século XXI.

Aos Juristas pede-se agora o acerto e o rigor, ainda por alcançar, no que respeita à análise do instituto da resolução e em especial acerca dos seus pressupostos, finalidades, fundamentos e efeitos, pois, em boa verdade, são ainda escassos os estudos produzidos entre nós, no que respeita a extinção dos contratos, de forma diversa do cumprimento, onde se enquadra a resolução contratual. Ao que acresce o facto de, nas sociedades modernas, seguramente dois terços das relações jurídicas que se constituem, modificam ou extinguem, nos ordenamentos jurídicos, terem natureza obrigacional.

Com efeito, as obrigações são o meio para que se alcancem os bens ou a prestação de serviços e o domínio dos contratos é o domínio, por excelência, onde a autonomia privada se desenvolve, sendo que estes negócios jurídicos permitem o auto governo das pessoas, singulares ou coletivas e, bem assim, lograr a auto ordenação das suas relações jurídicas. Equacionar os problemas atinentes a esta área do direito nunca, como agora, foi tão pungente.

A importância do problema em equação, se se prende com a concretização de princípios como o da justiça contratual versus liberdade contratual, resulta ainda do modo universal de contratar dos diversos agentes económicos, que abrangem, atualmente, todos os quadrantes da sociedade, não sendo, pois, possível desligar o direito dos contratos da racionalidade económica.

Nesta análise, importa configurar devidamente a natureza jurídica da resolução por incumprimento, articulando os preceitos da resolução e aqueles que regem o incumprimento culposo das obrigações e a natureza da resolução por alteração – superveniente – das circunstâncias.

Numa sociedade que procura um novo equilíbrio não poderemos considerar, de forma radical, não ser o credor também aquele que é digno de proteção jurídica, pelo facto de a outra parte incumprir o contrato, quando o faz de forma culposa. E isto é tão importante sublinhar, porque não podemos perder de vista o equilíbrio dos interesses em confronto e o facto de as obrigações contratuais serem voluntariamente assumidas.

Se a pandemia foi a causa absolutamente determinante para a inadmissibilidade da manutenção de alguns contratos, porque a base do negócio, o circunstancialismo em que ambas as partes assentaram a decisão de contratar – o que pressupõe um consenso negocial recíproco – era outro, totalmente diverso e sem o qual as portes não teriam celebrado aquele concreto negócio, não deixaram de existir outras situações em que a resolução surge motivado por um inadimplemento alheio justificativo de uma indemnização. Tal como, por força desta nova doença, as demais não desapareceram.

No acervo de questões relacionadas com este problema, salientamos, finalmente, que a solução deveras formalista que os nossos Tribunais têm vindo a acolher pode não servir os melhores interesses da Justiça que o Direito deve, sempre, gizar.

Com o propósito de repensar o entendimento desta questão, principiámos, um determinado percurso, agora, não resta senão percorrê-lo, pois o tema que elegemos para análise está muito longe de se esgotar nestas linhas e a retoma parcial da atividade económica,  que já se vislumbra no horizonte, certamente, virá adensar o desafio da qualificar devidamente a realidade prática que compreende um matizado, tantas vezes, aparentemente, indistinto.