Foi recentemente aprovado o programa do XXV Governo Constitucional e merece sublinhado a atenção – ou, pelo menos, intenção – significativa dada à legislação laboral, propondo alterações em áreas como o tempo de trabalho, o teletrabalho, o direito à greve e a regulação de novas formas de trabalho digital. Estas propostas partem de diagnósticos pertinentes e refletem uma preocupação legítima com a evolução do mercado laboral.
No entanto, do ponto de vista de quem acompanha diariamente as questões jurídicas laborais associadas, e bem assim à luz dos desafios do setor empresarial, é importante refletir sobre a forma como estas mudanças podem ser implementadas com equilíbrio, segurança jurídica e previsibilidade.
A possibilidade de introduzir modelos de tempo parcial voluntário ou semanas de trabalho reduzida pode, em certos contextos, responder a novas expectativas dos trabalhadores. O “modelo islandês” de semanas de quatro dias e que, segundo os ensaios publicados, tão bom resultado teve, parece ser uma tendência, pelo menos, de reflexão na Europa e será por isso uma ferramenta a considerar no contexto da organização do trabalho.
Contudo, sem mecanismos de compensação adequados, de incentivo à produtividade, eficiência e compromisso, e eventualmente até de apoios à reorganização da produção, estas medidas podem traduzir-se num aumento de encargos e contingências para as empresas, o que poderá ser particularmente impactante num extenso tecido de pequenas e médias empresas. Uma boa ideia, mas que exige condições concretas para ser viável de forma justa e equilibrada.
A proposta de permitir a aquisição de dias de férias adicionais por parte dos trabalhadores, mediante acordo, parece alinhar-se com a crescente valorização do equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Porém, sem uma moldura legal clara, incluindo na vertente fiscal, existe o risco de desigualdade de acesso e dificuldades operacionais para as empresas na gestão de equipas e serviços. Será essencial garantir que esta medida seja transparente, equitativa e de fácil concretização.
Uma nova abordagem ao teletrabalho é coerente com a evolução do mundo laboral. Porém, sem prejuízo do acordo das partes, tudo aponta para que continue a existir um certo vazio legal ou, pelo menos, alguma desadequação dos instrumentos legais na ausência de novos mecanismos que possam dar resposta mais efetiva a questões relacionadas com o direito à desconexão, o reembolso de despesas ou a proteção da privacidade. Para as empresas, a gestão de equipas em regime híbrido continua a ser um desafio, que exige regras claras e adaptadas à realidade.
A regulação das novas formas de trabalho digital, como o que é prestado em plataformas, é um dos grandes desafios do Direito do Trabalho. O programa acerta ao querer abordar esta matéria, mas deveria ser mais explícito sobre os critérios que pretende seguir: se alinhará com a jurisprudência recente que reconhece vínculos laborais, ou se procurará criar um regime autónomo. Para as empresas, a previsibilidade regulatória é fundamental — qualquer indefinição prolongada cria riscos de litígio e insegurança jurídica.
A proposta de rever o regime da greve, particularmente nos setores essenciais, deve ser vista com cautela e abertura ao diálogo social. Sendo uma matéria particularmente sensível, o equilíbrio entre o exercício de um direito constitucional e a proteção de serviços fundamentais à comunidade exige soluções bem ponderadas, construídas com base na negociação e no consenso. A experiência mostra que abordagens demasiado restritivas tendem a gerar contestação, não estabilidade.
Surpreende, no entanto, a ausência de propostas para melhorar o funcionamento da Justiça do Trabalho, sobretudo tendo em conta que o programa consagra outras metas em matéria judicial. Reduzir os prazos de decisão, reforçar os meios humanos e materiais e investir na digitalização processual seriam passos essenciais para garantir uma resposta célere e eficaz aos conflitos laborais — condição fundamental para que qualquer reforma legislativa tenha impacto real e para que Portugal continue a atrair investidores.
De resto, o programa foca-se, várias vezes, em conceitos, ainda assim algo vagos, de produtividade e flexibilidade, não se vislumbrando, no entanto, particulares preocupações com a adoção de novos paradigmas de performance. Este poderá bem ser o calcanhar de Aquiles que poderá fragilizar e entorpecer a caminhada de evolução laboral que se pretende, pois muitas destas medidas propostas, por muito potencial que tenham em abstrato, poderão estar condenadas ao insucesso na prática se estiverem alicerçadas nos paradigmas atuais de avaliação de produtividade e performance.
O programa do Governo identifica áreas relevantes e traz à discussão pública temas incontornáveis no futuro das relações laborais. No entanto, para que estas medidas produzam efeitos positivos e sustentáveis, será crucial garantir a sua implementação com base no diálogo social, na avaliação técnica, no respeito pelo equilíbrio entre empregadores e trabalhadores, evoluindo a legislação com segurança jurídica, previsibilidade e realismo económico.
É muito importante ter a coragem para reformar, mas também ter discernimento para o fazer com rigor, responsabilidade e visão de longo prazo.