Cavaco Silva resolveu ameaçar-nos com reformas aos 80 anos. O que equivale a dizer que muitas pessoas nunca poderiam reformar-se pela simples razão que morreriam antes. Quase todos os homens, por exemplo, já que a sua esperança de vida é hoje de cerca de 79 anos à nascença. Não é preciso explicar muito mais para perceber o absurdo estatístico contido nos propósitos de Cavaco Silva. Afirmações destas não contribuem, antes distorcem, a realidade que temos pela frente, já por si de difícil tratamento.

Quais são os factos e qual a verdadeira situação financeira da nossa Segurança Social? Quando, se é que em algum momento, o sistema vai necessitar de mais recursos? Quais as soluções já implementadas? E que outras soluções podemos desde já encarar?

O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social – uma reserva que existe para precaver momentos difíceis – atingiu o seu valor mais alto, 18 mil milhões de euros, em março deste ano. Os excedentes gerados significam que este valor aumentará ainda até final do ano e, provavelmente, nos próximos anos. Aplicando os cálculos demográficos à nossa população ativa e dependente, o horizonte temporal em que a Segurança Social terá de recorrer ao Fundo de Estabilização foi afastado lá para 2040, mais ano, menos ano.

Até lá, o sistema aguenta-se com o nível e formato de financiamento atuais, um misto das contribuições, às quais se somam o adicional ao IMI e uma pequena parcela, 2%, do IRC. Por outro lado, desde 2007 que a idade da reforma sobe todos os anos de acordo com a esperança média de vida da população, justamente para absorver o impacto das nossas vidas cada vez mais longas. Enfim, o chamado “fator de sustentabilidade” reduziu já os valores nominais devidos ou seja, em vez de nos reformarmos “por inteiro” apenas recebemos uma percentagem do valor a que teoricamente teríamos direito.

Devemos então estar descansados? Não. Sobretudo porque não estamos ao abrigo de uma nova crise. A subida da taxa de desemprego significaria que aquilo que hoje são excedentes rapidamente se podem transformar em défices pelo duplo efeito de menos contribuições e mais pagamentos de subsídios. É essa a principal razão porque qualquer projeção poderá sempre falhar. Se, porventura, os atuais níveis de emprego se prolongassem por mais uma década, o sistema seria sustentável para lá de 2050 sem necessidade de outros financiamentos ou revisão de critérios.

Mas então, sabendo nós da inevitabilidade das crises, que mais se pode fazer? Uns alvitram os chamados “sistemas individuais de capitalização”. Basicamente trata-se de uma conta poupança confiada a instituições financeiras privadas, com tratamento e benefícios fiscais específicos, e à qual se pode ter acesso a partir de uma determinada idade, conta essa que pagará consoante a rentabilidade que a instituição tenha conseguido ao longo dos anos, seja ela positiva ou negativa. Na América Latina este sistema foi muito utilizado. Os efeitos foram do catastrófico, na Argentina, ao medíocre, no Chile. Foram os chamados “Chicago Boys” que os levaram ao terreno.

Claro, há quem defenda aumentar ainda mais a idade da reforma. Sendo a nossa biologia o que ela é, acho difícil manter níveis aceitáveis de produtividade e assiduidade para lá dos setenta anos. Transferir para as empresas a função assistencial do Estado cedo atrairia as queixas dos que hoje advogam a privatização do sistema.

Porém, a melhor solução reside na criação de condições económicas que atraiam emigrantes e permitam o regresso de alguns dos 2,5 milhões de portugueses que vivem no estrangeiro. Aumentando a nossa população em 50.000 pessoas em idade ativa por ano, todos os problemas descritos e expectáveis desapareceriam. E sobre isto ninguém fala.