No início do ano letivo confrontamo-nos com a notícia que algumas famílias terão transferido os filhos para escolas privadas, descontentes com o desempenho das escolas públicas ao longo do confinamento.

A notícia é mais uma manifestação de uma sociedade dual em que a generalidade da população soluciona os seus problemas e necessidades com recurso aos serviços disponíveis, enquanto que alguns desfrutam do privilégio de escolher os serviços que pretendem. No entanto, é particularmente perigosa por questionar novamente a qualidade do ensino público. E é ainda mais inquietante quando simultaneamente se desenham planos de futuro para aumentar a qualificação e competências da força de trabalho portuguesa.

O desprestígio da escola pública tem já algumas décadas e tem evoluído em paralelo com a desacreditação da função pública em geral e da profissão de professor em particular, verbalizada no popular “quem não sabe fazer, ensina”. A profissão é encarada como de desgaste, relativamente mal remunerada – o que será verdade embora não em todas as áreas, e socialmente pouco considerada. O discurso destrutivo sobre as competências dos professores tem penetrado a opinião pública, servindo inclusivamente de justificação para refrear a despesa do Estado na valorização das carreiras.

As famílias aceitam, transferindo a educação para a esfera privada, na primeira infância por falta de alternativas – e é curiosa a fraca oferta do Estado nesta matéria, apesar da curta licença de parentalidade portuguesa comparada com outros países da União Europeia – e em fases posteriores por razões diversas como hábito, maior sentimento de segurança, estatuto social, entre outras, em que a falta de confiança na qualidade do sistema de ensino público é certamente a mais grave.

O desinteresse por esta carreira e a fraca preocupação com a sua renovação repercute-se hoje num corpo docente do ensino básico e secundário bastante envelhecido, numa profissão que requer, por um lado, uma atualização constante de conhecimentos e, por outro, capacidade de resposta à transformação rápida e frenética da sociedade. Dados do Ministério da Educação revelam que em 2019 existiam cerca de 16 professores com idade acima de 50 anos por cada professor com menos de 35 anos, tendência que se tornou exponencial a partir de 2012.

A atual insatisfação das famílias com a escola pública terá sido assim o resultado da incapacidade demonstrada pelos professores em migrar de métodos de ensino tradicionais para métodos digitais, assegurando o ensino à distância durante o confinamento. Isto, apesar de há muito se anunciar a imposição de plataformas digitais no ensino, pelo menos como ferramenta de apoio, e de se esperar dos professores a curiosidade necessária para o acompanhar.

Os maiores investimentos na escola pública nos últimos anos foram aliás no sentido de incentivar esta transformação. No entanto, aparentemente terão sido subutilizados, não por serem dispensáveis ou supérfluos, mas sobretudo pela incapacidade de resposta dos seus utilizadores, os professores.

Se é comum invocar explicações simples para esta atuação, desacreditando as competências deste grupo profissional, na verdade é essencial compreender porque aqueles que têm a seu cargo das tarefas mais essenciais da nossa sociedade terão tido dificuldade em se envolver ativamente num momento tão decisivo.

As crises têm o efeito de evidenciar as debilidades estruturais da economia. As circunstâncias muito especiais impostas pela resposta à crise Covid-19 em matéria de educação revelaram sobretudo o resultado de décadas de fraco investimento no ensino público e particularmente nos professores.

A escola pública exige um investimento complexo que envolve capital físico, mas também e especialmente pessoas e que, como todos os investimentos, demora tempo a consolidar e gerar retorno. Assimetricamente, qualquer pequeno abalo pode destruí-la irremediavelmente. É assim imprescindível construir fundações robustas que passam pela qualidade das instalações e adquisição de equipamento adequado às formas modernas de comunicação e trabalho, mas passam sobretudo pela capacidade de comprometer pela positiva o seu principal recurso – o corpo docente. Este capital humano é indispensável para alcançar o objetivo de qualificação elevada da população ativa.

Numa fase em que o número de estudantes regride em resultado das tendências demográficas mais gerais, a exigência deverá ser investir na qualidade da escola pública, começando pelo seu capital humano. Isto requererá a formação dos professores, mas envolverá também a consideração por uma das mais nobres tarefas sociais, ensinar. Sem bons professores, motivados, poderemos ter as mais modernas parafernálias tecnológicas, mas não teremos boas escolas públicas, nem educação de qualidade.